Apesar de a ordem executiva que confirmou o tarifaço americano sobre produtos brasileiros listar quase 700 itens que estarão isentos da sobretaxa de 50%, setores importantes do agronegócio, como de café e carne bovina não escaparam da taxação. Represenantes das indústrias defendem agora que governo continue a negociar com os Estados Unidos a tempo de evitar a tarifação adicional sobre seus produtos antes do início de sua vigência, na próxima quarta-feira (6).
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Nos primeiros seis meses de 2025, o produto do agro brasileiro mais exportado para os Estados Unidos, em valor de receita, foi o café em grão, que somou US$ 1,17 bilhão, o equivalente a 16% de todas as vendas externas do produto, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
Em segundo lugar, vem a carne bovina, que somou US$ 1,03 bilhão em remessas aos Estados Unidos. A proteína desossada congelada enviada para o país totalizou US$ 791 milhões (12% das exportações totais).
Já a carne bovina industrializada, que gerou US$ 239 milhões em receitas, é altamente dependente do mercado americano: 65% das exportações do primeiro semestre foram para os Estados Unidos.
As novas tarifas devem fazer com que os empresários brasileiros se vejam obrigados a buscar novos mercados para exportação, uma vez que os preços para importação pelas empresas americanas se tornariam proibitivos.
Tarifaço sobre café e carne pode baixar preços no Brasil
Para o consumidor brasileiro, no curto prazo, uma eventual redução nas exportações para os Estados Unidos tende a baixar os preços desses produtos no Brasil. “Esse aumento de oferta tem de ser escoado para algum mercado, mesmo que seja o doméstico, e isso pode realmente favorecer uma queda no preço”, diz André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
“Só que não é um movimento sustentável a longo prazo, porque à medida que a gente não encontra novos parceiros comerciais – e essas relações levam tempo para serem estabelecidas – a oferta desses produtos tende a ser redimensionada para não diminuir muito a margem da indústria”, explica o economista.
No caso do café, a previsão é que a safra atual seja melhor do que a dos últimos anos, o que deve favorecer ainda mais uma deflação do grão no mercado brasileiro. “Essas quedas ajudariam a conter a inflação de alimentos, considerando que a commodity subiu 80% em 12 meses – ou seja, há uma gordura grande para devolução”, prossegue Braz.
“Só que o segmento vai se ajustando nos próximos anos, porque se o cafeicultor ofertar café demais, o preço vai continuar caindo a ponto de as vendas não compensarem os custos de produção”
No caso da carne bovina, o período de ajuste seria diferente, uma vez que há grande demanda pelo produto brasileiro na China e em outros países asiáticos. Há uma expectativa no setor de que o Japão abra em breve o mercado para a proteína brasileira, após a declaração de que o Brasil está livre de febre aftosa sem vacinação em todo seu território.
Setor cafeeiro considera ainda haver tempo para negociar tarifas
Entidades que representam o setor cafeeiro defendem o prosseguimento das negociações. A Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) considera que o adiamento da entrada em vigor das novas tarifas do dia 1º para o dia 6 de agosto abre caminho para uma revisão na medida.
“Em uma mesa de negociação, todo tempo ganho é válido”, diz a entidade em nota oficial. “O café ainda não está na lista de exceções, e as negociações estão longe de serem finalizadas, ao contrário, seguem em curso.”
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Para a Abic, a própria existência de uma lista de exceções sinaliza espaço para negociação. “Temos na história recente das relações comerciais casos de outros países com reversões de escalada de tarifas. Seguiremos colaborando com as autoridades, confiando na diplomacia brasileira, tomando as medidas possíveis juntos aos atores envolvidos e apostando na força econômica e social do café para os EUA”, diz o comunicado da associação.
Na terça-feira (29), um dia antes da ordem executiva de Trump que oficializou o tarifaço contra o Brasil, o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Howard Lutnick, disse, em entrevista à CNBC, que o governo americano considera aplicar tarifa zero para alimentos que não são produzidos no país, citando café, manga, abacaxi e cacau.
A isenção, no entanto, valeria para países com os quais os Estados Unidos estabeleçam acordos comerciais, segundo Lutnick.
O Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) também declarou que seguirá em tratativas com seus pares americanos, como a National Coffee Association (NCA), com o intuito de que o produto passe a integrar a lista de exceções elaborada pelo governo Trump.
“Diante da relevância do café aos consumidores e à economia norte-americana, entendemos que se faz necessária a revisão da decisão de taxar os cafés do Brasil – ato que implicará elevação desmedida de preços e inflação, uma vez que esses tributos serão repassados à população americana no ato da compra”, diz trecho de comunicado assinado pelo presidente do Conselho Deliberativo do Cecafé, Márcio Ferreira, e pelo diretor-geral da entidade, Marcos Matos.
A Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) também reiterou a necessidade de diálogo na tentativa de reverter a taxação ao produto, “de forma que sejam preservados empregos, renda e uma parceria construída ao longo de décadas entre os atores das duas nações”.
Segundo a BSCA, os Estados Unidos adquirem aproximadamente 2 milhões de sacas de cafés especiais brasileiros por ano, gerando uma receita superior a US$ 550 milhões anuais.
Exportadores de carne bovina também mantém esperança de revisão nas tarifas
A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) informou que acompanha com atenção o anúncio de Trump sobre a aplicação de uma nova tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, sem isenção para a carne bovina, a partir do dia 6.
Somada à alíquota atual de 26,4%, a carga tributária total sobre o produto chegaria a 76,4%, inviabilizando as exportações ao mercado americano. No ano passado, os Estados Unidos importaram 229 mil toneladas de carne bovina brasileira. Para 2025, a previsão era atingir 400 mil toneladas.
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“A entidade está em diálogo com os importadores norte-americanos e colabora com o governo federal na busca de uma solução negociada”, diz a Abiec. A entidade reforça ainda a importância de se preservar o fluxo comercial com os Estados Unidos, que enfrentam atualmente o menor ciclo pecuário dos últimos 80 anos.
“A Abiec seguirá atuando de forma propositiva, em parceria com o setor público e os importadores, para preservar a competitividade da carne bovina brasileira, assegurar previsibilidade aos exportadores e contribuir com o equilíbrio do comércio internacional e da segurança alimentar global.”
Setor florestal quer inclusão de outros produtos na lista de exceções
O setor de árvores cultivadas para fins industriais também lamentou a instituição das novas tarifas. Embora a lista de exceções ao tarifaço inclua a celulose de fibra curta à base de eucalipto, que representa a maior proporção das exportações de celulose brasileira, painéis de madeira e produtos de madeira serrada, além de diferentes tipos de papéis não escaparam da taxação.
“Podem ser igualmente mencionados os papéis de embalagens e os sacos industriais, que vem conquistando espaço no mercado dos Estados Unidos”, diz Paulo Hartung, presidente da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), associação que reúne a cadeia produtiva de árvores plantadas para fins industriais.
“Indiretamente, nossa dinâmica indústria de embalagens de papel também é impactada pelas novas tarifas incidentes, por exemplo, sobre frutas e proteínas animais que são embalados por nossos papéis”, explica.
O setor também foi beneficiado, por outro lado, com a inclusão do ferro-gusa na lista de exceções, uma vez que o material é produzido no Brasil em parte com carvão vegetal em substituição a outros insumos de origem fóssil.
“A Ibá seguirá atuando pela superação deste momento desafiador, defendendo o diálogo e em permanente articulação com os diversos stakeholders”, afirma Hartung.
Frutas, pescados e mel, que dependem fortemente das exportações aos EUA, também não escaparam
Com menor participação na pauta exportadora do Brasil aos Estados Unidos, outros setores do agronegócio que dependem fortemente do mercado americano também ficaram de fora da lista de isenções.
Embora o suco de laranja tenha sido poupado da sobretaxa de 50%, outras frutas brasileiras não receberam o mesmo tratamento pelo governo americano. Para a Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), a preocupação com as novas tarifas é maior com três produtos: manga, uva e frutas processadas, como o açaí.
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Os três itens corresponderam, em 2024, a 90% do total exportado para os Estados Unidos, somando US$ 134,5 milhões. No caso da manga, 14% do volume vendido internacionalmente foi destinado ao mercado americano. As exportações de uva para os Estados Unidos representaram 26,1% de todo o volume da fruta embarcado para o exterior. Já as frutas processadas tiveram o território americano como destino em 31% das exportações.
O presidente da Abrafrutas, Guilherme Coelho, diz que, caso as tarifas sejam mantidas para o setor, os produtores sofrerão perdas significativas, e os reflexos serão sentidos pela população no aumento do desemprego nas regiões produtoras.
A Associação Brasileira das Indústrias de Pescado (Abipesca) protocolou um pedido formal ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a criação de uma linha emergencial de crédito de R$ 900 milhões voltada às indústrias exportadoras do setor.
O mercado americano representa cerca de 70% do destino dos pescados exportados pelo Brasil. Desde o anúncio das novas tarifas, a entidade estima que cerca de R$ 300 milhões em produtos estejam parados entre pátios portuários, embarcações e unidades industriais.
“O setor está sem alternativa no curto prazo. Sem crédito, não há como manter os estoques, honrar compromissos e preservar os empregos. Essa linha emergencial é crucial para evitar um colapso imediato e dar fôlego até que se encontre uma solução duradoura”, disse o presidente da Abipesca, Eduardo Lobo.
Outro setor que não escapou das tarifas é o da apicultura. O Brasil é um dos cinco maiores exportadores de mel do mundo e os Estados Unidos responderam por 76% das vendas externas brasileiras nos últimos cinco anos, segundo a Associação Brasileira dos Exportadores de Mel (Abimel). Cerca de 53% de toda a produção do país foi destinada à exportação para o mercado americano.