quinta-feira , 24 julho 2025
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Sem poupar, governo usa dinheiro do petróleo para gastar mais

O governo federal está usando dinheiro extra do petróleo — fruto da arrecadação esperada com o leilão de áreas adjacentes do pré-sal — para liberar espaço no Orçamento e gastar mais.

Nesta terça-feira (22), a equipe da Fazenda anunciou o descongelamento de R$ 20,6 bilhões no Orçamento deste ano. Boa parte do aumento de receita que justificou o desbloqueio vem do dinheiro que o governo prevê levantar com a concessão de campos de petróleo.

Ocorre que essas receitas não são recorrentes, ou seja, não aliviam no médio e longo prazo o problema das contas públicas, que é o de gastos estruturais que crescem mais que a receita, resultando em endividamento crescente. Além disso, mesmo com os recursos adicionais, as contas públicas deste ano fecharão com déficit primário, no limite inferior da meta.

Segundo a Warren Investimentos, o problema do descontingenciamento atual é “usar a receita não recorrente com a venda do petróleo para gastar mais”. Para a gestora de investimentos, o ideal seria postergar a receita da venda do petróleo para 2026 e manter o atual contingenciamento.

“O próximo ano será bem mais desafiador para o cumprimento da meta fiscal do que o ano corrente. Depender [em 2026] do ganho de receita decorrente da aprovação da MP 1.303 [que trata da taxação de aplicações] ou do corte de benefícios tributários parece muito arriscado”, afirma a gestora em nota.

No fim de maio, o governo havia congelado um total de R$ 31,3 bilhões no Orçamento de 2025 para cumprir a meta fiscal. Desse total, R$ 20,6 bilhões eram contingenciamentos, que poderiam ser revertidos ao longo do ano, e R$ 10,6 bilhões eram bloqueios — ou seja, cortes permanentes. Agora, praticamente todo o contingenciamento foi revertido, e o bloqueio oscilou levemente de R$ 10,6 bilhões para R$ 10,7 bilhões.

Caso não haja uma correção de rumos, a situação tende a piorar. Conforme previsões do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2026, já em 2027 o governo não terá espaço fiscal para despesas discricionárias ou de livre manejo, incluindo os pisos da saúde e da educação e as emendas parlamentares.

Limite inferior da meta fiscal vira pretexto para gastar mais

Segundo a Warren, ao descontingenciar os R$ 20,7 bilhões, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) confirma ter compromisso apenas com o limite inferior da meta fiscal para 2025, em vez de mirar o centro da meta.

O objetivo oficial para o ano é de déficit primário zero, mas há uma tolerância para um déficit equivalente a até 0,25% do PIB. Essa margem representa a possibilidade de um saldo negativo de até R$ 31 bilhões neste ano, sem contar despesas que são excluídas da meta. Após o descongelamento desta terça, o governo calcula que fechará o ano muito perto disso, com déficit de R$ 26,3 bilhões.

Não houve, portanto, interesse em aproveitar a receita extra para cumprir o centro da meta, de déficit zero. A alta da arrecadação será usada para liberar mais gastos, em vez de aproveitada para conter a alta do endividamento público.

“Entendemos que essa decisão foi equivocada”, afirma a Warren sobre o descontingenciamento. A gestora avalia que a decisão de não impedirá o cumprimento da meta fiscal de 2025, pois a venda do petróleo já foi aprovada pela Medida Provisória nº 1.291, e haverá tempo hábil para realizar os leilões. Ademais, a arrecadação com o Imposto de Renda evoluiu bem até junho.

Mesmo com petróleo, governo terá déficit de R$ 74,9 bilhões

Se confirmado, o déficit primário total esperado pelo governo para 2025 – de R$ 74,9 bilhões, ou 0,6% do PIB – será superior saldo negativo de 0,37% do PIB observado em 2024.

O governo só consegue cumprir o limite inferior da meta (déficit de até 0,25% do PIB) porque parte das despesas – com precatórios, por exemplo – não entra na contabilidade.

O fato é que, mesmo que o governo cumpra formalmente a meta com o uso da margem de tolerância, os seguidos déficits inevitavelmente inflam a dívida pública, pois é preciso emitir títulos para cobrir o saldo negativo.

“A estabilidade da elevada dívida pública requer que se caminhe o quanto antes para um superávit acima de 2% do PIB”, calcula a Warren.

Em sua avaliação, a Warren ainda emite um alerta para o governo: “Outro problema que vemos é executar a política fiscal com foco no limite inferior da meta fiscal. Esse limite inferior foi introduzido para dar conta de imprevisibilidades. Não se deve utilizá-lo para acomodar mais gastos”, afirma.

Nos 29 meses do governo de Lula até maio, houve déficit em 23 deles, segundo dados do Banco Central. Como reflexo, o endividamento público saltou de 71,7% do PIB em dezembro de 2022 para 76,1% em maio deste ano.

Leilão do petróleo já era aposta para reforçar arrecadação e gastar mais

Conforme mostrado pela Gazeta do Povo, antes mesmo de toda a contenda com o Congresso Nacional sobre a manutenção ou reversão do aumento do IOF, o governo já mirava os leilões do petróleo para fazer caixa e reduzir os cortes feitos no Orçamento, ou seja, para gastar mais.

Para tanto, em maio o Executivo enviou ao Congresso o PL 2632/25, que autoriza a Pré-Sal Petróleo (PPSA) — estatal criada em 2010 exclusivamente para fazer a venda pública da parcela da União nas áreas em regime de partilha — a leiloar esses volumes.

O PL foi deixado de lado, e o texto referente aos leilões de partilha foi inserido na MP do Fundo Social, já aprovada pelo Congresso e sancionada por Lula. Inicialmente, a previsão de arrecadação com a iniciativa estava entre R$ 15 bilhões e R$ 37 bilhões.

Devido a oscilações do preço do petróleo no mercado internacional, o Ministério de Minas e Energia manteve as expectativas de arrecadação na margem inferior, chegando a R$ 14,78 bilhões. O leilão foi uma alternativa apresentada pela pasta para aliviar o contingenciamento do Orçamento.

Receita extra tem base frágil e depende de commodity volátil

Esse montante compõe parte significativa das receitas extras contabilizadas pelo governo e utilizadas para justificar o recente descongelamento.

De acordo com dados do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do 3º bimestre, divulgado nesta terça-feira, a receita líquida do governo foi revista para cima em R$ 27,1 bilhões.

Esse aumento líquido se deveu basicamente a três fatores: R$ 17,9 bilhões referentes à venda do petróleo excedente do Pré-Sal, incluindo áreas não concedidas ou partilhadas; R$ 12,2 bilhões com Imposto de Renda; e R$ 10,2 bilhões com o IOF. Ou seja, os ganhos com o petróleo respondem pela maior parte da arrecadação que garantiu a elevação na receita.

De acordo com a agência Eixos, do total estimado em arrecadação com o petróleo:

  • R$ 14,78 bilhões vêm da participação da União no leilão de áreas não contratadas, que será realizado em novembro;
  • R$ 1,7 bilhão vem do aumento de receitas pela comercialização adicional de óleo dos campos de Jubarte, após aprovação, pela ANP, do Acordo de Individuação da Produção (AIP), na semana passada;
  • R$ 1,7 bilhão vem do aumento da produção de campos sob o regime de partilha da produção; e
  • R$ 0,28 bilhão é um desconto na arrecadação devido a ajustes na expectativa de receitas com royalties e participações especiais.

Dividendos de estatais entram no radar para turbinar caixa

Além dos recursos vindos do petróleo, a estratégia do governo para gastar mais também inclui um aumento nos dividendos distribuídos pelas estatais.

A medida exige, acima de tudo, negociações técnicas e políticas com as estatais. Por exemplo, em março deste ano, a Petrobras apresentou reservas de retenção de lucros da ordem de R$ 20 bilhões, e o BNDES, de R$ 16 bilhões.

Ambos os montantes poderiam ter percentuais pagos ao governo como dividendos complementares. No entanto, nesse caso, será preciso considerar o que está previsto na Lei das Estatais para tentar raspar o tacho dessas reservas.

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