sexta-feira , 1 agosto 2025
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retaliação do Brasil aos EUA seria insensata

A nova rodada de tarifas impostas pelos EUA ao Brasil acende o alerta vermelho para uma potencial guerra comercial entre as duas maiores economias das Américas. A ordem executiva assinada pelo presidente Donald Trump nesta quarta-feira (30), que estabelece uma sobretaxa adicional de 40% sobre parte das importações do Brasil a partir do dia 6, traz em seu texto uma ameaça explícita: qualquer retaliação brasileira será respondida com aumentos ainda maiores.

Ameaça de Trump é explícita: qualquer retaliação será respondida

O documento deixa claro o mecanismo de escalada. “Caso o Governo do Brasil retalie contra os Estados Unidos em resposta a esta ação, modificarei esta ordem para garantir a eficácia das ações aqui ordenadas”, escreveu Trump. O texto prossegue com uma advertência específica: “Por exemplo, se o Governo do Brasil retaliar aumentando as taxas de tarifas sobre as exportações dos Estados Unidos, aumentarei a taxa de imposto estabelecida nesta ordem em um montante correspondente”.

A lógica é simples e perigosa: se o Brasil aumentar suas tarifas sobre produtos americanos, os EUA elevarão proporcionalmente as taxas sobre as exportações brasileiras.

Os números mostram a dimensão do problema. Segundo cálculos da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil), baseados em dados da Comissão de Comércio Internacional dos Estados Unidos (USITC, na sigla em inglês), 56,6% das exportações brasileiras serão afetadas pela nova taxação. Considerando os valores de 2024, isso representa US$ 23,9 bilhões em produtos que ficarão mais caros no mercado americano.

Esta é a terceira medida protecionista de Trump contra o Brasil desde o início de seu mandato. Em fevereiro, o republicano estabeleceu uma sobretaxa de 25% para alumínio e aço brasileiros. Em abril, impôs 10% sobre todos os bens importados do país.

A justificativa americana para as novas tarifas inclui acusações de que o Brasil adotou ações “sem precedentes”, que, segundo os EUA, ameaçam a segurança nacional, a política externa e a economia americana, incluindo interferências na economia, violações da liberdade de expressão e direitos humanos, e perseguição política a um ex-presidente – Jair Bolsonaro (PL).

Lula já defendeu retaliação contra tarifas dos EUA ao Brasil

A resposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi imediata, quando Trump anunciou o tarifaço, no dia 9. “Se ele cobrar 50 de nós, vamos cobrar 50 deles”. Mas a realidade é mais complexa do que a retórica sugere.

O Brasil possui instrumentos legais para retaliar, como a Lei de Reciprocidade Econômica. No entanto, sua aplicação não é automática. A regulamentação exige “mecanismos técnicos, jurídicos e diplomáticos prévios”, incluindo tentativas de negociação, consulta aos setores afetados e, se necessário, a abertura de painel na Organização Mundial do Comércio (OMC). Além disso, as regras do Mercosul impõem limitações adicionais à autonomia brasileira em política comercial.

“Não foi uma estratégia inteligente para quem tentou retaliar”

William Castro Alves, estrategista-chefe da plataforma de investimentos Avenue, baseada nos Estados Unidos, é categórico: “A experiência internacional mostra que países que adotaram retaliação tarifária apenas escalaram a disputa, sem conseguir revertê-la de forma eficaz. Ficou claro que buscar a reciprocidade ou também tarifar os EUA não foi uma estratégia inteligente para quem tentou isso.”

Setor privado teme os efeitos de uma guerra comercial

O setor privado brasileiro demonstra clara preocupação com a perspectiva de retaliação. Pesquisa realizada pela Amcham Brasil entre 24 e 30 de janeiro revela que 86% das empresas consultadas avaliam que medidas de reciprocidade agravariam as tensões bilaterais e reduziriam o espaço para negociações diplomáticas.

As empresas temem especialmente os efeitos sobre cadeias produtivas que dependem de insumos, tecnologias e equipamentos americanos. Há também preocupação com danos à imagem do Brasil como destino seguro para investimentos internacionais.

Felipe Vasconcellos, sócio da Equus Capital, sintetiza os riscos: “Uma retaliação mal planejada pode gerar efeitos colaterais significativos para a economia brasileira. Setores com alta exposição ao mercado externo seriam diretamente impactados e, com eles, empregos e cadeias produtivas inteiras. Para o consumidor, isso se traduz em insumos mais caros, inflação e possíveis quebras de oferta.”

Qual o tamanho do impacto das novas tarifas para o Brasil?

Dois estudos recentes quantificam os potenciais danos de uma guerra comercial. O Núcleo de Estudos em Modelagem Econômica (Nemea) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) projeta que, se o tarifaço de 50% fosse aplicado uniformemente a todos os produtos brasileiros, o PIB nacional sofreria imediatamente uma redução de 0,16 ponto percentual, equivalente a R$ 19,2 bilhões.

Os setores mais vulneráveis seriam agropecuários e comércio, com perda estimada de 72 mil empregos. Geograficamente, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais – estados com forte vocação exportadora – seriam os mais prejudicados.

Estudo da Fiemg projeta forte queda no PIB

Um cenário ainda mais sombrio emerge do estudo da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). Caso o Brasil implemente a retaliação de 50% cogitada por Lula, os impactos seriam devastadores: o PIB encolheria 2,3% (R$ 259 bilhões), 1,9 milhão de empregos seriam eliminados, os rendimentos dos trabalhadores cairiam R$ 36,2 bilhões e a arrecadação tributária despencaria R$ 7,2 bilhões.

Em um cenário de escalada total da guerra comercial, com retaliações mútuas se intensificando ao longo do tempo, a Fiemg projeta perdas catastróficas: até 6% do PIB brasileiro (pelo menos R$ 667 bilhões) e 5 milhões de empregos perdidos em um horizonte de cinco a dez anos.

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