quarta-feira , 23 julho 2025
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Retaliação custaria até 5 milhões de empregos

Uma escalada nas retaliações na guerra comercial entre o Brasil e os Estados Unidos pode custar até 6% do PIB brasileiro – pelo menos R$ 667 bilhões – e uma perda de 5 milhões de empregos em um período entre cinco e dez anos. O cálculo é da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg).

O Brasil enfrenta seu maior dilema comercial em décadas. O tarifaço anunciado por Donald Trump, para entrar em vigor em 1.º de agosto, representa muito mais que um entrave comercial.

Segundo analistas, a situação pode representar um grande obstáculo ao futuro da economia do país, caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) opte pelo caminho da retaliação. No momento, os esforços do governo são direcionados para uma negociação pela via diplomática.

“O Ministério das Relações Exteriores precisará ser muito hábil para negociar e, quem sabe, suspender essa tarifa antes de 1.° de agosto”, diz o jurista Ives Gandra da Silva Martins, professor emérito da Universidade Mackenzie.

A decisão americana surpreende não apenas pela magnitude, mas também pelo timing e justificativa. Washington classifica o tarifaço como sendo algo “recíproco” e alega buscar “corrigir barreiras impostas pelo Brasil”.

No entanto, analistas enxergam motivações que vão além do comércio. Eles veem um componente político na decisão, com divergências sobre o tratamento dispensado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao ex-presidente Jair Bolsonaro e debates acalorados sobre a regulação de redes sociais no Brasil servindo como pano de fundo para a instrumentalização do comércio bilateral.

O custo da retaliação: por que responder seria pior?

A entidade empresarial mineira aponta que na eventualidade de o Brasil responder com uma tarifa de 50% sobre os produtos americanos, como Lula cogitou na semana passada, os efeitos seriam substanciais.

O PIB nacional sofreria uma contração de 2,21%, equivalente a R$ 259 bilhões em valores atuais. A retração significaria a eliminação de 1,9 milhão de postos de trabalho, entre empregos formais e informais, com uma redução de R$ 36,2 bilhões no total dos rendimentos dos brasileiros.

A arrecadação do governo também seria severamente afetada, com perdas estimadas em R$ 7,2 bilhões. Isso aconteceria em um cenário no qual o governo tem poucas preocupações em tirar as contas do vermelho. Nos 29 meses do governo de Lula até maio, houve déficit em 23 deles, segundo dados do Banco Central (BC). Como reflexo, o endividamento público saltou de 71,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em dezembro de 2022 para 76,1% em maio deste ano.

“Uma retaliação mal planejada pode gerar efeitos colaterais significativos para a economia brasileira. Setores com alta exposição ao mercado externo seriam diretamente impactados e, com eles, empregos e cadeias produtivas inteiras. Para o consumidor, isso se traduz em insumos mais caros, inflação e possíveis quebras de oferta”, diz Felipe Vasconcellos, sócio da Equus Capital.

Escalada no tarifaço levaria a sanções mais duras na guerra comercial

A situação se agrava consideravelmente em um cenário de escalada. Se os Estados Unidos elevarem suas tarifas para 100% em resposta à retaliação brasileira, mesmo com o Brasil mantendo sua tarifa em 50%, a queda no PIB alcançaria 2,49%.

A possibilidade já foi cogitada por Trump, na eventualidade de o Brasil retaliar os Estados Unidos. E pode ser aplicada em um outro contexto: a manutenção de fortes relações comerciais com a Rússia. Segundo a Casa Branca, a compra de derivados de petróleo daquele país o ajuda nos esforços de guerra na Ucrânia, um conflito que se iniciou em fevereiro de 2022.

As importações brasileiras da Rússia foram de US$ 5,1 bilhões no primeiro semestre, 4,6% a menos do que em igual período de 2024.

Uma eventual confirmação de sanções mais duras se traduziria em aproximadamente 2,2 milhões de brasileiros perdendo seus empregos em um período de cinco a dez anos e uma redução de R$ 40,8 bilhões no total dos rendimentos.

O cenário mais catastrófico estudado pela Fiemg envolveria uma “dupla retaliação”, com ambos os países impondo tarifas de 100%. Somando-se a isso uma provável queda nos investimentos estrangeiros diretos – estimada em 40% para investimentos americanos e 30% para os demais países –, o impacto seria devastador.

O PIB brasileiro despencaria 5,68%, uma perda superior a R$ 667 bilhões. Quase 5 milhões de brasileiros perderiam seus empregos, a renda das famílias cairia R$ 93 bilhões e a arrecadação tributária seria reduzida em R$ 18,5 bilhões.

“Os Estados Unidos são um parceiro tradicional e geograficamente estratégico para o Brasil”, afirma Flávio Roscoe, presidente da Fiemg. “Ambos os países perdem muito com essa medida. Responder com a mesma moeda pode gerar efeitos inflacionários devastadores no Brasil. Por isso, o caminho mais inteligente é a diplomacia.”

Os impactos setoriais de uma guerra comercial não seriam distribuídos igualmente pela economia, aponta a federação. A entidade identificou que, embora os efeitos se iniciem nos setores exportadores, eles rapidamente se espalhariam para toda a economia, atingindo inclusive ramos voltados ao mercado interno.

A fabricação de equipamentos de transporte enfrentaria uma retração de 21,6%, praticamente paralisando investimentos e expansões no setor. A siderurgia e produção de ferro-gusa, fundamentais para a indústria nacional, veriam sua produção cair 11,7%. O setor de produtos de madeira, importante empregador em várias regiões do país, sofreria queda de 8,1%.

Os efeitos não parariam por aí. Setores aparentemente distantes do conflito comercial, como atividades imobiliárias, educação privada, serviços domésticos e saúde privada, experimentariam retrações próximas a 3%. Isso ocorre porque, em uma economia interconectada, a redução da renda e do emprego em setores exportadores rapidamente contamina o consumo interno e a demanda por serviços.

O tarifaço de Trump e o impacto imediato na economia

Mesmo antes de considerar qualquer retaliação brasileira, o “tarifaço” inicial de 50% imposto pelos Estados Unidos já representa um choque significativo para a economia nacional. Estudos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), corroborados por análises da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da XP Investimentos, projetam impactos substanciais no curto prazo.

A UFMG calcula uma redução de 0,16 ponto percentual no PIB brasileiro, aparentemente pequena, mas que representa R$ 19,2 bilhões em riqueza não gerada. Mais preocupante ainda: 110 mil brasileiros perderiam seus empregos apenas com essa medida inicial, sem qualquer retaliação. Os cinco estados mais atingidos seriam São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais.

Setores mais vulneráveis na guerra comercial: da Embraer ao agronegócio

O impacto nas empresas detalha a situação. A Embraer, terceira maior fabricante de aviões comerciais do mundo, enfrentaria grandes desafios. Com quase 25% de sua receita vinda de exportações para os Estados Unidos, uma tarifa de 50% adicionaria até US$ 450 milhões anuais em custos extras, segundo a XP Invesrtimentos.

Outras gigantes industriais também seriam severamente afetadas. A WEG, líder em motores elétricos, teria que repensar a estratégia de produção e precificação. Randoncorp e Frasle, importantes no setor de autopeças e implementos rodoviários, veriam suas margens comprimidas e sua competitividade internacional ameaçada.

Empresas de menor porte também podem sentir efeitos pesados, ressalta o presidente do Sindicato da Micro e Pequena Indústria (Simpi), Joseph Couri. “A principal consequência é a redução da demanda, porque os preços sobem substancialmente, a inflação aumenta e isso derruba o poder de compra das famílias. Com menos consumo, especialmente em setores sazonais e de bens não essenciais, a primeira reação das empresas é cancelar contratos temporários, cortar turnos e demitir.”

O agronegócio brasileiro, responsável por cerca de 25% do PIB nacional, ficaria vulnerável. As exportações de proteína animal e da indústria sucroalcooleira seriam reduzidas. As vendas de café brasileiro para os Estados Unidos cairiam 6%, forçando produtores a buscar mercados alternativos em condições desfavoráveis.

O impacto mais dramático seria no segmento de suco de laranja. Com os Estados Unidos sendo um comprador crucial, a imposição de tarifas poderia causar um colapso nos preços internacionais, já que seria extremamente difícil redirecionar volumes tão grandes para outros mercados rapidamente.

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