domingo , 2 novembro 2025
Lar Economia Projeto binacional Brasil-Bolívia reacende temor de custo alto
Economia

Projeto binacional Brasil-Bolívia reacende temor de custo alto

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aposta na retomada de grandes projetos hidrelétricos para ampliar a geração de energia no Brasil. A inspiração vem de uma ideia lançada nos governos militares e colocada em prática com a construção da usina de Itaipu, uma das maiores do mundo, entre 1975 e 1982. A iniciativa da vez é a construção de uma usina binacional na fronteira com a Bolívia, aproveitando o potencial do Rio Madeira.

O plano, no entanto, nasce sob o ceticismo de especialistas e reacende o temor de obras com custo elevado, baixa transparência e poucas vantagens econômicas para o Brasil. A proposta foi ressaltada pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que, no mês passado, declarou ter falado com o presidente sobre a importância de avançar com “uma nova binacional a caminho, repetindo o sucesso de Itaipu”.

Contudo, para especialistas como o engenheiro e economista Erik Duarte Rego, a proposta tem um forte caráter político e não apresenta vantagens técnicas ou econômicas para o lado brasileiro.

Custos elevados e desafios logísticos marcariam projeto

Um dos principais entraves é o custo. Além de ser uma obra gigantesca, a construção de uma hidrelétrica binacional na Amazônia demandaria ainda mais recursos devido às dificuldades logísticas da região, como transporte, acesso limitado e longos períodos de chuvas. As exigências ambientais também gerariam impactos econômicos adicionais, elevando o valor final da construção.

As linhas de transmissão, necessárias para escoar a energia, são um desafio à parte. Durante a construção das usinas de Santo Antônio e Jirau, ambas no Rio Madeira, o custo das linhas para levar a energia até o Centro-Sul do país foi próximo ao da própria construção de uma das usinas. Assim, é preciso avaliar se as linhas já existentes comportam a nova transmissão ou se será necessário construir novas estruturas de altíssimo custo.

A própria geração de energia pode ficar abaixo do esperado. Com a evolução das preocupações ambientais, hoje se opta pelo modelo “fio d’água”, com menor impacto por não exigir grandes reservatórios como o de Itaipu. A desvantagem é que essas usinas não armazenam água, e a geração fica condicionada ao regime de chuvas, podendo ser baixa ou nula durante a seca — o que eleva ainda mais o custo da energia gerada.

Viabilidade econômica é questionada por especialistas

Diante desses custos, a viabilidade econômica do projeto é questionada. Segundo Erik Rego, a resposta é negativa. Atualmente, uma composição de fontes alternativas — como eólica, solar e biomassa — pode atingir a mesma capacidade de geração com custos de construção e implementação bem mais baixos.

No longo prazo, o investimento não se justificaria, já que há alternativas mais baratas capazes de oferecer energia a um preço menor. “Para fazer uma hidrelétrica hoje, no Brasil, tem que ter subsídio e interesse do governo. Só se faz se o governo quiser e liberar”, comentou o especialista, reforçando o caráter político da proposta.

Histórico com Bolívia e risco político entram na equação

Além das incertezas econômicas, o ceticismo do mercado se ampara no complexo histórico de cooperação energética com a Bolívia, que traz à tona os riscos políticos e jurídicos do novo empreendimento.

Caso seja levada adiante, a hidrelétrica não será a primeira iniciativa conjunta entre os dois países. A história do Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), construído nos anos 1990, é um precedente que não pode ser ignorado.

As obras do gasoduto começaram em 1997 e o primeiro trecho entrou em operação em 1999. Em 2006, já com o Gasbol em plena atividade, o então presidente Evo Morales nacionalizou o setor de petróleo e gás da Bolívia e ordenou a ocupação de refinarias da Petrobras.

Na época, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva classificou a medida como um “ato soberano” boliviano. No ano seguinte, um novo acordo elevou em cerca de US$ 100 milhões anuais o custo do gás para o Brasil, e a Bolívia aceitou indenizar a Petrobras em US$ 112 milhões pela “compra” das refinarias.

Divisão de custos e responsabilidades gera dúvidas

As dúvidas sobre o novo projeto binacional giram justamente em torno do financiamento e da divisão de responsabilidades. Pela posição da hidrelétrica, Erik Rego afirma que o reservatório ficaria integralmente em território boliviano, cabendo ao Brasil fornecer a expertise técnica e os recursos para financiar o projeto. Na visão do especialista, por ser um país mais pobre, a Bolívia não teria como contribuir com aportes significativos, e o ônus recairia sobre os cofres públicos brasileiros.

Já a advogada Isabela Ramagem, especialista em energia e sócia do Caputo, Bastos e Serra Advogados, afirma que, mesmo com participação financeira e técnica mais modesta, a Bolívia poderia contribuir.

Segundo ela, o país tem um parque hidrelétrico voltado ao consumo interno, com grandes usinas como San José 1 e San José 2, o que garantiria sua participação técnica no projeto. Além disso, a Bolívia conta com apoio financeiro do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) para viabilizar novos empreendimentos, o que poderia garantir aportes ao projeto binacional.

A especialista, a continuidade da cooperação entre os dois países é estratégica sob a ótica comercial, especialmente diante da expansão das energias renováveis e da possibilidade de uma nova hidrelétrica servir como garantidora da segurança energética. A questão que fica para o mercado e para o contribuinte brasileiro é se os potenciais benefícios estratégicos superam os elevados riscos econômicos e o instável precedente político.

Artigos relacionados

China vai dar autorização especial ao Brasil para imporat chips

Fabricantes brasileiros do setor automotivo poderão receber uma autorização especial do governo...

Brasil deve propor aumento de fluxo comercial em acordo com Trump

O governo Lula discute internamente que propostas pode fazer a Donald Trump...

Reforma tributária e novas regras de investimentos

O cenário econômico brasileiro se agita com mudanças profundas que podem afetar...

entenda por que passagens aéreas podem subir

A aprovação da bagagem grátis pela Câmara na terça-feira (28) pode encarecer as viagens aéreas para...