O deputado federal Paulo Guedes (PT-MG) apresentou um projeto de lei que tem por objetivo criar uma nova cobrança sobre serviços na web. Segundo o congressista, o novo tributo foi planejado para levantar cerca de R$ 50 bilhões anuais.
O dinheiro seria usado para financiar um sistema de IP/DNS nacionais e também satélites capazes de fornecer internet em localidades remotas (como faz hoje a Starlink, do bilionário Elon Musk), e GPS.
O novo imposto criado pelo projeto de Paulo Guedes se chama Contribuição Social sobre a Propriedade de Sistemas de Interface entre Usuários de Internet (CPSI).
Segundo a proposta, a nova cobrança incidirá sobre praticamente todos os tipos de serviços online, desde buscadores como o Google até provedores de e-mail. A cobrança recairá sobre os serviços com mais de 3 milhões de usuários.
O dinheiro arrecadado será usado para custear tanto os serviços de infraestrutura da internet, como os endereços de IP e DNS (Sistema de Nomes de Domínio), quanto a construção de uma constelação de satélites de baixa órbita, capaz de fornecer internet e geolocalização.
O projeto foi apresentado em meados de julho e ainda aguarda despacho do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos–PB), para começar a tramitar.
Segundo o deputado Paulo Guedes, o objetivo do projeto é diminuir a vulnerabilidade enfrentada pelo Brasil ao depender de provedores estrangeiros para esses serviços.
“Tanto o GPS como os satélites de comunicação que utilizamos são americanos, sob controle totalmente alheio a nós, podendo ser cortados ou terem seus usos limitados arbitrariamente por conta de disputas de qualquer tipo a qualquer momento”, diz ele.
Segundo Guedes, a maior cobrança deve recair sobre as chamadas “big techs”. “Haverá um teto por contribuinte nas diversas faixas estabelecidas na lei, o maior deles de R$ 3 bilhões ao ano (provavelmente aplicável à Meta, ao Google e outros gigantes), totalizando algo acima de R$ 50 bilhões já no próximo ano, se aprovado.”
Ainda de acordo com Guedes, a capacidade das “big techs” de repassar o novo custo aos consumidores brasileiros seria limitada.
“A tributação nova que propomos (…) tem como grande diferencial de qualquer outro tributo criado ou onerado o fato de recair inteiramente nos ganhos das ‘big techs’, praticamente não tendo espaço para repasse de seu ônus ao consumidor brasileiro, uma vez que seus preços, quase sempre indiretos, têm sua formação devida a outras variáveis, independentes do custo tributário local”, diz ele.
Projeto busca “reinventar a roda”, diz especialista
Para o diretor de tecnologia Thiago Ayub, a proposta de Guedes é uma “reinvenção da roda” e pode trazer novos problemas em vez de sanar vulnerabilidades.
“Esse projeto incorre em um erro comum por parte de nossos legisladores: o de não resolver nenhum problema já existente e, nessa tentativa, criar problemas novos que não existiam antes”, diz ele.
“No serviço tipo GPS, o Brasil é servido por outras constelações, como a europeia Galileo, a russa GLONASS e a chinesa BeiDou”, pontua Ayub. “No serviço de internet via satélite de baixa órbita, de fato a Starlink é pioneira, mas estão em expansão e se aproximando de fornecer o serviço a estadunidense Amazon Kuiper (do bilionário Jeff Bezos) e, de forma menos madura, a chinesa SpaceSail.”
“Todos os demais serviços citados, como endereço IP, DNS, sistema autônomo, são operados por excelência por brasileiros, em solo brasileiro, com financiamento brasileiro a partir de uma organização sem fins lucrativos, o CGI.br”, diz ele.
Leia abaixo a íntegra da entrevista da coluna com o deputado Paulo Guedes sobre a “taxa da web”:
O PL menciona uma cobrança de R$ 12, mas não diz a periodicidade: é mensal, semanal, anual…?
A cobrança do imposto será por valor anual e calculada sempre “ad rem” (valor fixo em reais modulado pela dimensão estimada da rede no país). Haverá um teto por contribuinte nas diversas faixas estabelecidas na lei, o maior deles de três bilhões de reais ao ano (provavelmente aplicável à Meta, ao Google e outros gigantes), totalizando algo acima de R$ 50 bilhões já no próximo ano, se aprovado.
Na opinião do sr., qual a importância de o país desenvolver a própria rede de GPS / internet de satélite de baixa órbita?
Muito mais importante que a arrecadação, o projeto de lei complementar que proponho busca a soberania digital do Brasil, hoje inexistente. Tanto o GPS como os satélites de comunicação que utilizamos são americanos, sob controle totalmente alheio a nós, podendo ser cortados ou terem seus usos limitados arbitrariamente por conta de disputas de qualquer tipo a qualquer momento.
E o mais terrível de tudo, infinitas vezes mais grave que GPS ou Starlink, é o sistema inteiro da internet que usamos: a certificação dos protocolos (IP) e tudo que o cerca, dominado pela IANNA, órgão do governo norte-americano.
Se quiserem bloquear um celular qualquer, bloqueiam; ou um órgão público completo, basta um toque apenas e aquele IP imediatamente não será mais reconhecido. A certificação própria de internet, já praticada pela China, pela Rússia e pela Índia, se passar a ser feita pelo Brasil, também será equivalente ao nosso “grito de independência”. Deixaremos de ser uma colônia digital.
Seria rápido, pois já dispomos da maioria dos instrumentos, e não tão caro, seguramente muito menos do que o arrecadado pela lei que propomos.
Como o sr. responderia a críticos que reclamam da criação de um novo imposto, dada a carga tributária já alta do país?
A tributação nova que propomos (uma contribuição e não um imposto) tem como grande diferencial de qualquer outro tributo criado ou onerado o fato de recair inteiramente nos ganhos das “big techs”, praticamente não tendo espaço para repasse de seu ônus ao consumidor brasileiro, uma vez que seus preços, quase sempre indiretos, têm sua formação devida a outras variáveis, independentes do custo tributário local, como facilmente demonstrável em modelos econométricos adequados a tal tipologia.
Outra crítica que se faz é a de que esses serviços já são prestados pelo CGI.br sem a necessidade de um imposto, ou já têm outras empresas entrando no mercado (caso da Spacelink).
Quanto à existência de alternativas aos satélites de comunicação, ajudaria muito, desde já, se apoiados e incorporados às nossas redes, o que acredito que deva ser feito imediatamente. Mas o ponto central, nosso próprio controle sobre nosso sistema de internet, isso é absolutamente insubstituível. NÃO HÁ BRASIL SOBERANO SEM SOBERANIA DIGITAL!”