Em 2019, vivi um dos momentos mais marcantes da minha vida: visitar, na África do Sul, o Jane Goodall Institute – Chimp Eden. Lembro-me da tensão ao dirigir por mais de uma hora, do Parque Nacional Kruger até a Reserva Natural Umhloti, tentando me acostumar à mão inglesa — tudo ao contrário, estranho. Tudo valeria a pena quando chegasse lá, pensei.
E não estava errada. A doutora Jane Goodall, que partiu na semana passada aos 91 anos, foi muito mais que uma cientista. Foi uma ponte entre mundos — o humano e o animal, o racional e o instintivo, o cotidiano e o sagrado da natureza. Passou a vida olhando nos olhos dos chimpanzés e, de alguma forma, nos ensinou a nos enxergar através deles.
O santuário que visitamos em família foi fundado em 2006 e é o primeiro e único da África do Sul. Lá vivem chimpanzés que sobreviveram a tudo o que não deveriam ter vivido: o tráfico de carne de caça, o cativeiro ilegal, o espetáculo vazio de circos e resorts. Carregam histórias de dor, mas também de recomeço. No Chimp Eden, eles encontram um refúgio seguro, onde podem, aos poucos, lembrar-se de quem são — brincar, interagir, pertencer de novo.
Enquanto ouvia as explicações dos biólogos e observava aqueles seres de olhos profundos, percebi algo difícil de descrever. Era como se cada gesto deles — o toque, o olhar, o silêncio — dissesse algo sobre nós, humanos. Sobre o que perdemos, sobre o que ainda podemos recuperar.
Esta crônica é uma pequena homenagem a Jane Goodall — uma mulher que transformou a ciência em poesia e a observação em compaixão. Sua vida foi uma longa conversa com a natureza, um lembrete de que há sabedoria em cada criatura, e que o amor é, talvez, a forma mais revolucionária de conhecimento.
Nos últimos anos, ela ampliou o olhar e abraçou o planeta inteiro: falou pelos animais, pelas florestas, pelos povos, pelas crianças. E, ao fazer isso, falou também por nós.
Se você, como eu, se sente tocado por essa herança, saiba que pode continuar o trabalho de Jane. É possível “adotar” um chimpanzé do Chimp Eden — virtualmente, claro — e, com esse gesto simbólico, manter viva a chama que ela acendeu.













