A partir de 2026, proprietários que alugam imóveis informalmente enfrentarão um cerco fiscal sem precedentes com o “CPF dos Imóveis”. O Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB) permitirá à Receita Federal identificar automaticamente quem omite rendimentos de aluguel, aplicando multas que podem chegar a 150% do valor devido. A mudança, impulsionada pela reforma tributária no aluguel, integrará dados hoje dispersos, fechando brechas para a evasão.
Com o “CPF dos imóveis”, Receita Federal poderá cruzar dados que hoje estão espalhados por cartórios, prefeituras, bancos e diferentes órgãos públicos. Além da multa, a Receita Federal poderá cobrar retroativamente os últimos cinco anos de impostos não pagos. A mudança é impulsionada pela regulamentação da reforma tributária sobre o consumo, que estabelece um sistema de fiscalização integrado com a nova tributação.
Como funcionará o “CPF dos Imóveis”
O CIB é a ferramenta que, a partir de 2026, dará à Receita Federal capacidade de monitoramento sobre o patrimônio e a movimentação imobiliária no país. Ele funcionará como um identificador nacional único para cada imóvel, centralizando informações hoje dispersas em diversos órgãos.
O fim da dispersão de dados
A centralização resolve um problema. Atualmente, o controle de imóveis é fragmentado: cartórios utilizam matrículas de Registro Geral de Imóveis (RGI), prefeituras usam inscrições imobiliárias para o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), e o Incra monitora imóveis rurais. Esses sistemas não se comunicam, permitindo brechas para a evasão fiscal.
Com a implementação do “CPF dos Imóveis”, essa compartimentalização acaba. Segundo Vinicius Cunha, tributarista e sócio da MCW Advogados, o objetivo é “estabelecer um número único de identificação para cada imóvel, reunindo informações que antes estavam fragmentadas”.
Para viabilizar a integração, a Receita Federal publicou a Instrução Normativa 2.275/2025, regulamentando o CIB e estabelecendo regras de compartilhamento de dados por meio do Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter). O novo identificador único deverá constar em escrituras, registros e demais atos cartorários. Cartórios e registradores deverão transmitir eletronicamente os dados ao Sinter.
Como a Receita usará o “CPF dos imóveis” para identificar sonegadores
Com essa infraestrutura em funcionamento, a fiscalização ganha poder inédito. O CIB permitirá uma fiscalização automática. As administrações tributárias ganharão a capacidade de acompanhar e fiscalizar as operações imobiliárias mediante o cruzamento de informações.
Com o sistema unificado, a Receita Federal poderá identificar inconsistências entre:
- Declarações de Imposto de Renda.
- Registros de ocupação (declaração do inquilino).
- Contratos formais.
Samuel Miranda, especialista em direito tributário, adverte que o cerco se fechará. A partir de 2026, o inquilino será obrigado a declarar que mora de aluguel e informar quem é o locador. “Quando um inquilino declara, a Receita Federal cruza os dados automaticamente. Se o locador não declarou o rendimento, vem a autuação.”
Além da declaração do inquilino, o Fisco não dependerá apenas da declaração do locador. Os métodos de identificação de omissão se multiplicarão:
- Declaração do inquilino: O inquilino deverá informar quem é o locador, e o sistema fará o cruzamento automático.
- Transações via imobiliária: Mesmo que proprietário e inquilino omitam, a imobiliária é obrigada a declarar a comissão recebida, indicando de quem recebeu e para quem pagou.
- Monitoramento de Pix e bancos: Transações acima de R$ 2 mil geram informações que podem levar à intimação do contribuinte, embora não sirvam como prova legal direta.
Diante desse cruzamento de dados, a sonegação de Imposto de Renda pelo recebimento de aluguéis será mais difícil.
As punições para quem omitir rendimentos
Identificada a omissão, as consequências são imediatas. Para proprietários que operaram na informalidade, recebendo aluguéis “por fora”, o prazo para regularização termina em 31 de dezembro de 2025. A partir de 1.º de janeiro de 2026, a Lei Complementar 214/2025 instituirá mecanismos de fiscalização automatizada, e quem omitir rendimentos estará exposto à autuação.
Cunha alerta que os contribuintes que omitirem rendimentos de locação “poderão sofrer multa de até 150%”. Além dela, a Receita Federal pode cobrar retroativamente os últimos cinco anos de impostos não pagos.
Samuel Miranda destaca que a dívida cresce devido à multa e à correção pela Selic. “Com a Selic alta e a multa, os juros aumentam a dívida. Considerando os últimos cinco anos, uma dívida de R$ 10 mil pode mais que dobrar.”
Em situações mais graves, as penalidades se agravam. Em casos de dolo ou fraude, o proprietário pode cometer crime fiscal, com pena de dois a cinco anos de reclusão. Embora o crime possa ser suspenso mediante o pagamento dos valores devidos, a cobrança da Receita Federal inclui multa, correção monetária e juros, sem descontos.
A nova tributação no aluguel: quem pagará IBS e CBS
Além da fiscalização sobre rendimentos omitidos, a reforma tributária traz uma mudança estrutural na tributação de aluguéis. Ao substituir PIS, Cofins, ICMS e ISS pelos novos Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), ela ampliou a base tributária. Anteriormente, a locação de imóveis não se enquadrava como serviço nem mercadoria, ficando fora da incidência desses tributos.
Com o novo modelo (IBS e CBS juntos), o cenário muda. A locação passa a ser tributável. Para imóveis residenciais, a alíquota efetiva ficará em cerca de 11%. Para imóveis comerciais, a alíquota será entre 15% e 20%.
Quando a pessoa física paga o novo imposto
Nem todos os proprietários, porém, serão atingidos pela nova tributação. A Receita Federal não tributará todos os aluguéis de pessoas físicas. A incidência do IBS/CBS sobre locações, a partir de 2027, ocorrerá apenas quando o volume de negócios for considerado atividade econômica.
A tributarista Bianca Xavier, professora da FGV Direito Rio, explica que, para entrar na regra, o locador precisa preencher dois requisitos simultaneamente:
- Quantidade de imóveis: Possuir mais de três imóveis alugados (ou seja, a partir do quarto imóvel).
- Receita anual: receber mais de R$ 240 mil por ano exclusivamente de locação, cessão ou arrendamento desses imóveis.
A lei considera o desempenho do ano anterior. Se a pessoa física preencher os dois critérios em 2026, pagará o IBS/CBS a partir de janeiro de 2027. O valor de R$ 240 mil será corrigido anualmente pelo IPCA (índice oficial de inflação).
Como regularizar aluguel não declarado e evitar multas
Diante desse cenário de fiscalização e novas regras tributárias, a regularização torna-se urgente. Proprietários com aluguéis antigos não declarados devem agir antes que o sistema CIB entre em vigor, em 2026.
Os especialistas apontam que a melhor estratégia é a regularização por meio da denúncia espontânea. Ao corrigir a situação antes de ser notificado, o contribuinte evita a multa e o crime fiscal.
O processo exige a retificação das declarações anteriores, incluindo os rendimentos de aluguel e comprovantes de despesas dedutíveis (como IPTU e condomínio). A dívida pode ser parcelada em até 60 vezes diretamente no site da Receita Federal.
Pessoa física ou holding: qual a melhor opção?
Além da regularização, proprietários precisam avaliar a melhor estrutura para o futuro. Com a fiscalização se tornando realidade, por meio do “CPF dos imóveis” e o aumento da complexidade do cálculo, a decisão de manter o patrimônio em pessoa física (PF) ou migrar para uma pessoa jurídica (PJ) torna-se estratégica.
Holding patrimonial vale a pena?
Para proprietários com vários imóveis e operações de compra, venda e locação, a holding tende a ser vantajosa.
A principal diferença está no uso de créditos fiscais. Pessoas jurídicas que atuam como contribuintes do IBS/CBS podem aproveitar créditos fiscais nas aquisições. Uma empresa que paga imposto na compra de um serviço ou bem (como um terreno) desconta esse valor quando vende o imóvel construído. Isso reduz a carga de imposto e aumenta a competitividade.
Além do aproveitamento de créditos, a migração para uma holding patrimonial pode reduzir a alíquota de Imposto de Renda. Na PF, a alíquota sobre rendimentos de aluguel pode chegar a 27,5%. Na PJ, ela pode cair para cerca de 11,33%.
Miranda reforça que, se o proprietário tem um imóvel que gera renda de R$ 10 mil mensais ou mais, a abertura da holding já pode ser benéfica para diminuir a carga tributária.
Para quem optar por essa estrutura, o tempo é curto. A transferência de imóveis para uma holding deve ser realizada ainda em 2025. Samuel Miranda alerta: “O ideal é fazer a transferência ainda em 2025. O Supremo Tribunal Federal [STF] está julgando a manutenção da imunidade do ITBI [Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis]. Se a imunidade cair, as transferências ficarão mais caras.”
Quando a pessoa física ainda faz sentido
A holding não é a solução para todos. Para quem tem imóveis para uso próprio ou com baixa movimentação, ou não se enquadra nos critérios de IBS/CBS, a manutenção do patrimônio em nome da pessoa física pode fazer sentido. No entanto, a PF não terá acesso ao aproveitamento de créditos fiscais.
O impacto no bolso do inquilino
As mudanças não afetam apenas os proprietários. O mercado imobiliário e os inquilinos, que já enfrentam custos crescentes e déficit de moradias, sentirão os efeitos da formalização e da nova tributação.
Repasse do IBS e CBS no aluguel
Proprietários e administradoras, diante da pressão para formalizar e pagar os novos tributos, tendem a repassar esses custos aos inquilinos.
Andressa Sehn da Costa, sócia da Rafael Pandolfo Advogados Associados, destaca que a nova regra pode dobrar a carga tributária sobre aluguéis. Hoje, locações intermediadas por pessoas jurídicas são tributadas em 3,65%. Com o IBS e CBS, a tributação sobre aluguéis residenciais subirá para cerca de 11%. Para aluguéis comerciais, a alíquota será entre 15% e 20%.
O impacto no bolso é direto. Um aluguel residencial de R$ 2 mil mensais terá um aumento de cerca de R$ 150 por mês em tributos repassados, totalizando R$ 1,8 mil a mais por ano. Para aluguéis comerciais, o impacto será maior.
Para evitar conflitos, Cunha orienta que os locadores devem revisar seus contratos de aluguel. Eles precisam inserir cláusulas nos contratos de locação, através de aditivos, para que prevejam expressamente o repasse do montante referente ao IBS e CBS.
“CPF dos imóveis” leva a risco de aumento do IPTU
Além do repasse de IBS e CBS, há outro risco no horizonte. O CIB, ao unificar dados e criar um sistema nacional de informações, traz uma consequência indireta: a pressão sobre o IPTU.
A Receita Federal definirá anualmente um valor de referência para cada imóvel, calculado com base em dados de mercado, que servirá como parâmetro para operações imobiliárias e declarações fiscais.
Embora o IPTU seja um imposto municipal e não faça parte da Reforma Tributária, os municípios terão acesso a esses dados.
O advogado Eduardo Natal, sócio do escritório Natal & Manssur Advogados, avalia que o valor de referência tende a se tornar um parâmetro para a fiscalização da Receita, aumentando o cruzamento de informações e a detecção de divergências tributárias em operações imobiliárias.










