‘Ao Direito, o que é do Direito. À Política, o que é da Política’, diz Fachin ao tomar posse na presidência do STF
O ministro Edson Fachin tomou posse nesta segunda-feira (29) como o novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Em seu discurso, Fachin defendeu a democracia e que o Judiciário não seja submisso a ninguém. Dentro dessa liberdade judicial, no entanto, pregou a autocontenção da magistratura, e não um ambiente de “espetáculo”.
Fachin assume no lugar do ministro Luis Roberto Barroso, cujo mandato de dois anos à frente da Corte terminou nesta segunda.
Na cerimônia de posse estavam presentes, além dos demais 10 ministros do STF, as mais altas autoridades da República: o presidente Lula, o presidente do Senado e do Congresso, Davi Alcolumbre (União-AP), o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e o procurador-geral da República, Paulo Gonet. Governadores de todo o país também assistiram à cerimônia.
O novo presidente toma posse em um cenário em que o STF ainda convive com ataques do governo do presidente Donald Trump, dos Estados Unidos. Alegando que o tribunal promoveu uma “caça às bruxas” ao julgar por golpe de Estado o ex-presidente Jair Bolsonaro (seu aliado), Trump impôs sanções econômicas ao Brasil e sanções individuais a ministros do STF.
“A independência judicial não é um privilégio, e sim uma condição republicana. Um Judiciário submisso, seja a quem for, mesmo que seja ao populismo, perde sua credibilidade. A prestação jurisdicional não é espetáculo. Exige contenção”, afirmou Fachin.
Em um momento em que o Congresso chegou a debater a anistia para os condenados pelos ataques golpistas do fim de 2022 e início de 2023, além de frequentemente se queixar de ativismo judicial, Fachin afirmou que deve haver equilíbrio entre os poderes da República.
Para ele, a Política deve cuidar de temas políticos. Os temas do Direito devem ficar com a Justiça.
“Impende ter consciência das condições históricas que o presente traduz. É tempo de realimentar os elementos fundantes da estrutura do Estado brasileiro, e com isso reforçar os princípios que informam a democracia na República. Nosso compromisso é com a Constituição. Repito: ao Direito, o que é do Direito. À Política, o que é da Política. A espacialidade da Política é delimitada pela Constituição. A separação dos poderes não autoriza nenhum deles a atuar segundo objetivos que se distanciem do bem comum”, defendeu Fachin.
Com Lula e Motta presentes, Edson Fachin toma posse como presidente do STF
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Defesa da democracia e da Constituição
Fachin afirmou que o STF terá como prioridade a defesa da ordem democrática e da Constituição. Ele destacou que não aceitará emendas constitucionais que afrontem direitos fundamentais ou a ordem democrática.
“Nosso compromisso é com a Constituição. Repito: ao Direito, o que é do Direito. À Política, o que é da Política. O genuíno Estado de Direito conduz à democracia. O governo de leis e não o governo da violência: eis o imperativo democrático capaz de zurzir o autoritarismo”, disse.
O novo presidente também citou o professor Dalmo Dallari para reforçar a ideia de que a fé nas instituições é condição para a autoridade verdadeira:
“A mensagem é simples: só há autoridade verdadeira quando há confiança coletiva no que é justo.”
Respeito às diferenças e rejeição à censura
O ministro afirmou que sua gestão terá como marca o respeito à diversidade e a defesa da liberdade de imprensa.
“Assegurar a igualdade e enfrentar a discriminação racial passa também pela proteção das terras e das expressões culturais e modos de vida. Realço, ainda, em nossa gestão, o compromisso com a plena liberdade de imprensa e a liberdade de pensamento e de expressão”, afirmou.
Segundo ele, a Constituição de 1988 nasceu da resistência cívica e segue sendo a referência:
“A chama da Constituição de 1988 continua acesa. E nós vamos mantê-la.”
Combate à corrupção e compromisso ambiental
Fachin também apontou a necessidade de resposta firme à corrupção, que chamou de “cupim da República”.
“Ninguém está acima das instituições. Elas são imprescindíveis e somos melhores com elas”, disse.
Ele ainda destacou que não há justiça sem compromisso ambiental:
“A natureza nos interpela e reclama seus direitos. A justiça socioambiental tem um grande débito a saldar com a crise climática.”
Desafios da gestão
O novo presidente listou como desafios da sua gestão a judicialização de demandas sociais, as mudanças climáticas, os impactos das novas tecnologias e da transformação digital, além da necessidade de garantir acesso à Justiça aos mais vulneráveis.
Fachin também ressaltou que o STF terá de atuar em um cenário internacional instável, marcado por tensões geopolíticas, e reforçou a importância da previsibilidade e da confiança entre os Poderes.
“O país precisa de previsibilidade nas relações jurídicas e confiança entre os Poderes. O Tribunal tem o dever de garantir a ordem constitucional com equilíbrio”, declarou.
Processos no tribunal
Fachin assume a Presidência em meio a uma pauta carregada e sensível. Entre os primeiros desafios estão os julgamentos da trama golpista de 2022 e dos atos de 8 de janeiro de 2023. Embora não conduza diretamente as sessões da Primeira Turma, Fachin terá de garantir apoio institucional e estabilidade para que os processos avancem, ao mesmo tempo em que o Supremo supervisiona a execução de penas e analisa recursos.
Outro ponto de pressão virá do debate no Congresso sobre a anistia ou a redução de penas para condenados pelos ataques à democracia. Se a proposta for aprovada, sua constitucionalidade será questionada no STF. Nesse cenário, caberá a Fachin liderar a Corte diante de um julgamento de enorme repercussão política, que pode aprofundar ou reduzir tensões entre os Poderes.
Edson Fachin toma posse hoje como presidente do STF
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Fachin também terá de lidar com ações que discutem a execução das emendas parlamentares, tema sensível para o Congresso. O relator, ministro Flávio Dino, já pediu pareceres da AGU e da PGR, e a palavra final sobre a data do julgamento será de Fachin. A condução desse processo pode gerar atritos, já que as emendas são vistas pelos parlamentares como instrumento central de articulação política e eleitoral.
Na frente social e econômica, o novo presidente pautará discussões de grande impacto, como o julgamento sobre a relação entre motoristas e entregadores com aplicativos, que deve definir a existência ou não de vínculo de emprego. Além disso, o Supremo retomará debates sobre a Lei da Anistia, incluindo casos da ditadura militar, o que coloca a Corte diante de dilemas históricos sobre memória, justiça e direitos humanos.
Moraes assina termo de posse como vice-presidente do STF
Trajetória
Nascido em Rondinha (RS), Fachin graduou-se em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 1980.
Concluiu mestrado em 1986 na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde também fez doutorado, em 1991. Fez pós-doutorado no Canadá, foi pesquisador convidado do Instituto Max Planck, na Alemanha, e professor visitante do King’s College, na Inglaterra. Também foi professor titular de Direito Civil na UFPR.
Antes de fazer parte do Supremo, Fachin foi integrante da comissão do Ministério da Justiça sobre a Reforma do Poder Judiciário. Colaborou, também, na elaboração do novo Código Civil brasileiro no Senado. Atuou, ainda, como procurador do Estado do Paraná de 1990 a 2006 e na advocacia.
Tomou posse como ministro do Supremo em junho de 2015, indicado pela então presidente Dilma Rousseff. Na Suprema Corte, é o relator de processos relativos à Lava Jato e de temas com repercussão social, como a chamada “ADPF das Favelas”, que restringiu operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro no período da pandemia; e o recurso que discute se é possível a aplicação da tese do marco temporal na demarcação de áreas indígenas.
No Tribunal Superior Eleitoral, passou a integrante titular em agosto de 2018. Em maio de 2022, assumiu a presidência da Corte Eleitoral, sucedendo o ministro Luís Roberto Barroso. Atuou no tribunal até agosto de 2022, quando deixou o cargo para o ministro Alexandre de Moraes.













