segunda-feira , 10 novembro 2025
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Julgamento do STF pretende pacificar o tema

O Supremo Tribunal Federal (STF) está prestes a decidir sobre um dos temas mais espinhosos das relações de trabalho: a chamada “pejotização”, termo usado para descrever a contratação de pessoas jurídicas ou trabalhadores autônomos sem vínculo empregatício.

O julgamento está relacionado ao Tema 1389 no STF, e deverá estabelecer os limites dessa modalidade, que abrange um caldeirão de situações e controvérsias. A principal delas diz respeito à utilização da prática para mascarar relações trabalhistas, o que, segundo sindicatos e juristas, resulta em restrição de direitos e na precarização do trabalho formal.

O imbróglio tem se intensificado com a expansão dos serviços de profissionais de tecnologia, comunicação, advocacia, saúde e até motoristas de aplicativo como pessoas jurídicas, emitindo nota fiscal. A estimativa é que o tema envolva mais de 15 milhões de microempreendedores individuais (MEIs).

Por outro lado, empresas reivindicam o direito à terceirização, legitimada para qualquer atividade produtiva pela reforma trabalhista de 2017, que deixou explícito que é possível contratar outra pessoa jurídica para que os seus sócios ou empregados prestem serviço, sem vínculo formal.

O resultado são cerca de 34,6 mil processos na Justiça, segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST), e uma grande divergência de entendimentos. Juízes da Justiça do Trabalho têm reconhecido vínculos empregatícios em casos considerados “PJ de fachada”.

A questão é que os recursos julgados pelas turmas do STF têm validado acordos entre empresas independentes, levando em consideração a liberdade contratual.

“Há uma clara divergência entre as posições dos tribunais trabalhistas, do próprio Tribunal Superior do Trabalho e do STF”, afirma o doutor em Direito Carlos Eduardo Ambiel, do Ambiel Bonilha Advogados. “O STF precisa ter uma posição unificada.”

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Na tentativa de pacificar o assunto, o ministro Gilmar Mendes, relator de um recurso extraordinário no tribunal, determinou em abril a suspensão de todos os processos – trabalhistas, cíveis e comerciais – relativos à modalidade até que o plenário julgue o mérito.

A decisão terá repercussão geral, ou seja, o entendimento que o Supremo firmar servirá de referência obrigatória para todo o Judiciário. “É uma decisão vinculante”, explica Ambiel. “Aquilo que o Supremo decidir passará a valer em relação ao Tribunal Superior do Trabalho, aos Tribunais Regionais do Trabalho e às Varas do Trabalho, porque assim determina a Constituição.”

STF precisa estabelecer critérios e responsabilidades

O desafio do plenário do Supremo será decidir sobre questões específicas que têm gerado ambiguidade nas sentenças. Na análise de reclamações originadas nas cortes trabalhistas, o STF tem reiteradamente decidido que é válida a liberdade contratual, se não houver prova de “vício de consentimento”, ou seja, de irregularidade.

“A jurisprudência dos tribunais trabalhistas costuma ratificar a ideia de que prevalece a primazia da realidade, ou seja, o que efetivamente ocorreu durante a contratação de uma pessoa jurídica”, explica Ambiel. “Se houve trabalho pessoal com subordinação de forma onerosa e habitual, os tribunais do Trabalho reconhecem o vínculo.”

O STF terá, portanto, que especificar os requisitos de contratação de pessoa jurídica que configuram relação de emprego disfarçada. Além disso, será preciso determinar a responsabilidade pelo ônus da prova, ou seja, quem deve provar a existência de fraude – se o trabalhador ou a empresa.

“Há uma leitura do STF de que essa prova do vício depende de uma demonstração efetiva de coação, simulação ou fraude”, explica. “E a legislação trabalhista não exige essa prova; exige apenas que estejam presentes os fatos da relação de emprego, o que tem embasado decisões de primeira instância. Essa dúvida precisa ser dirimida pelo plenário.”

Pejotização envolve fiscal e previdência

Para Navarro, além do viés trabalhista, a discussão do STF tem implicações tributárias, previdenciárias e políticas. “O ministro Gilmar Mendes, ao optar por realizar audiência pública antes do julgamento, entendeu que as questões ultrapassam a mera ação trabalhista”, diz.

“Temos a questão do custo da previdência no Brasil, que é arcado com os valores pagos ao INSS pelas empresas e funcionários”, lembra. “Poderá haver redução significativa no caso da ampliação da pejotização, o que afetaria diretamente as receitas.”

A audiência pública determinada pelo decano da Corte, realizada em 6 de outubro, reuniu 43 representantes de empresários, trabalhadores, governo e acadêmicos, além de integrantes da PGR, da AGU e do Ministério do Trabalho.

Durante as exposições, entidades empresariais defenderam a manutenção da liberdade contratual e da autonomia das partes, enquanto sindicatos e procuradores pediram limites mais claros à pejotização e à terceirização de atividades.

Representantes do governo também manifestaram preocupação com o uso indevido do regime. O advogado-geral da União, Jorge Messias, classificou a prática como uma “cupinização dos direitos trabalhistas”, enquanto o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, advertiu que o MEI, criado para formalizar pequenos empreendedores, vem sendo desvirtuado para encobrir relações típicas de emprego.

José Pastore, especialista em relações de trabalho, destacou que as formas de contratação existentes aumentam a competitividade e favorecem a geração de empregos. Para ele, o contrato de pessoa jurídica não configura subordinação jurídica, garante contribuição regular à Previdência Social e eventuais ajustes devem recair sobre a alíquota ou o modelo de arrecadação.

Supremo tende a conciliar liberdade e direitos, preveem juristas

Juristas acreditam que a decisão do Supremo – esperada para este ano – tende a buscar um consenso. Tattiana de Navarro, procuradora de Assuntos Tributários da OAB/DF, acredita que o julgamento será um paradigma e aponta para uma padronização das decisões “em respeito à segurança jurídica”. “Não se trata de uma ‘liberação geral’ da pejotização, mas da definição clara e palpável de quando ela pode ser utilizada pelas empresas”, diz.

Para Fabrício Barcelos, especialista em Direito e Processo do Trabalho e sócio do Lara Martins Advogados, o STF deve manter o posicionamento de que existem formas diversas de trabalho além das previstas na CLT, mas garantir que aqueles que se encontram em “situação ilegal perante seus empregadores possam continuar exercendo e requerendo seus direitos”.

“Há uma tendência majoritária, pelo menos nos julgamentos precedentes nas turmas, em ampliar as hipóteses de contratação de PJ ou do trabalho autônomo”, diz. “Mas o ato de retirar alguém do contrato celetista e torná-lo um prestador de serviços ou autônomo com a finalidade exclusiva de fraudar direitos trabalhistas, ou seja, para economizar encargos trabalhistas, será sempre ilícito, previsto na própria reforma trabalhista.”

Para Ambiel, considerando as decisões anteriores do STF, é possível arriscar que o Pleno valide uma forma mais abrangente para a pejotização. “Mas há expectativa de que seja feita uma ressalva: nos casos em que ficar provada a fraude e a verificação da relação de emprego, isso poderá prevalecer”, diz.

Também é esperado que o Supremo faça uma modulação de efeitos, definindo a partir de quando valerá a nova regra e como separar os casos em que a pejotização é lícita daqueles em que poderá ser reconhecido o vínculo se presentes as condições estabelecidas na CLT.

O efeito será relevante para resolver a insegurança jurídica, destaca Ambiel. Para ele, o mais importante, diz, não é o resultado em si — se mais favorável à proteção do trabalhador ou à liberdade contratual —, mas que exista uma definição clara. “Com a regra conhecida, fica mais fácil e mais seguro para a operação da sociedade, dos empresários e dos empregados”, resume.

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