O início do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal Federal (STF), nessa terça-feira (2/9), levou deputados estaduais de oposição a Tarcísio de Freitas (Republicanos) a resistir, pela primeira vez, a uma indicação do governador ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE).
Quando a sessão da Assembleia Legislativa (Alesp) dessa terça começou, a expectativa da base aliada de Tarcísio era que o nome do controlador-geral do Estado, Wagner Rosário, seria aprovado com facilidade, assim como aconteceu no caso das outras duas indicações que passaram pela Casa desde o início do atual governo, em 2023.
Rosário precisa receber o “sim” de pelo menos 48 dos 94 deputados para se tornar conselheiro do TCE, mas o PT, que costuma firmar acordos com o governo, uniu-se ao PSol e está obstruindo a votação. Os parlamentares entraram com cinco pedidos de adiamento, e, como nenhum foi aprovado, a estratégia usada foi a de esgotar o tempo máximo de debate.
A sessão, que começou às 16h40 de terça, durou até o limite das 21h40, quando o presidente da Alesp, André do Prado (PL), foi obrigado a adiá-la para o dia seguinte. O PT e o PSol pretendem repetir a dose nesta quarta-feira (4/9). “Não tem negociação, vamos seguir obstruindo”, disse um parlamentar ao Metrópoles.
A resistência inédita tem como combustível o fato de Rosário ter sido chefe da Controladoria-Geral da União (CGU) no governo Bolsonaro e participado da reunião ministerial de 5 julho de 2022, apontada pela Polícia Federal (PF) como a reunião em que ministros do ex-presidente teriam discutido a “dinâmica golpista”.
Na apresentação do segundo requerimento de adiamento dessa terça, o deputado Antonio Donato (PT) argumentou: “Nesse momento, um ex-capitão está sendo julgado no Supremo hoje, mas um outro está sendo premiado aqui na Assembleia. Os dois estavam na mesma reunião. Curiosos esses dois destinos”.
A deputada Ediane Maria (PSol) tentou exibir o trecho da reunião ministerial em que Rosário chama um relatório da CGU sobre as urnas eletrônicas de “merda”, mas o conteúdo foi barrado pelo líder do governo, Gilmaci Santos (Republicanos), que presidia a sessão no momento.
Depois, André do Prado mediou a briga dizendo que o material deveria ter sido apresentado com uma hora de antecedência, mas a oposição acabou acusando os dois de censura.
Além da relação com Bolsonaro, Wagner Rosário também é acusado pela oposição de não responder às questões apresentadas durante a sabatina. Os deputados questionaram, por exemplo, o porquê do controlador não ter investigado o crescimento patrimonial de secretários, a concessão de terras devolutas, e denúncias de irregularidades na privatização da Sabesp.
Como Tarcísio tem maioria na Alesp, é pouco provável que a obstrução dure muito tempo, mas a base não está exatamente disposta a enfrentar à oposição. “As emendas não foram pagas, pessoal não está muito afim”, relatou outro deputado ligado ao governador.
O maior risco para Tarcísio é que a desmotivação causada pelas emendas atrasadas leve ao esvaziamento do plenário. Por isso, André do Prado deve segurar a sessão desta quarta-feira (3/9) até o limite, para evitar uma votação sem quórum na quinta-feira (4/9).
Como foram as últimas votações de indicados ao TCE
- A vaga de conselheiro do TCE é altamente cobiçada no mundo político, graças à estabilidade, alto salário e poder nos bastidores.
- Quem é indicado passa a fazer parte de um grupo de sete titulares, que são responsáveis por julgar as contas do governo do estado e das prefeituras paulistas, exceto a da capital, que é fiscalizada pelo Tribunal de Contas do Município (TCM).
- Desde o início da gestão Tarcísio, duas cadeiras do TCE já foram trocadas: a do conselheiro Edgard Camargo Rodrigues, que foi substituído pelo deputado federal Marco Aurélio Bertaiolli, em setembro de 2023, e a de Robson Marinho, ocupada pelo advogado Maxwell Borges de Moura Vieira, em dezembro de 2024.
- Bertaiolli foi indicado pela própria Assembleia, enquanto Maxwell foi o nome indicado por Tarcísio, a pedido do ministro André Mendonça, do STF.
- Nos dois casos, as aprovações aconteceram sem dificuldade na Alesp: o deputado estadual recebeu 62 votos dos 94 parlamentares, enquanto o advogado, ficou com 88 votos.
Questionamentos feitos à Wagner Rosário
Wagner Rosário passou por uma sabatina de mais de duas horas na terça-feira, quando foi questionado a respeito da sua atuação na CGE, tratanto dos seguintes pontos:
- Atuação da Controladoria contra o esquema bilionário de fraude na concessão de créditos de ICMS revelado durante uma operação do Ministério Público estadual (MPSP).
- Mudanças nos mecanismo de transparência do estado de São Paulo durante a sua gestão, sobretudo a decisão da gestão de deixar de divulgar anualmente informações sobre o patrimônio dos secretários e de autoridades do estado, e de mudar as regras da Lei de Acesso à Informação.
- Problemas de transparência sobre as renúncias ficais concedidas pela gestão.
- Contingenciamento de gastos em pastas como a Secretaria da Mulher e de repasses aos municípios.
A respeito da fraude revelada pelo MPSP, Rosário reconheceu que o sistema de fiscalização interno falhou e repetiu o discurso de Tarcísio de Freitas que os envolvidos serão punidos. Ele afirmou que a gestão pretende voltar atrás sobre a decisão de não divulgar o patrimônio de autoridades e negou que as demais mudanças tenham prejudicado transparência do estado.
Rosário concordou sobre a dificuldade no acesso as informações das renúncias e disse que a gestão irá começar a fazer a publicação das isenções por CNPJ a partir de janeiro do próximo ano. Ele negou irregularidades no contingenciamento do orçamento e afirmou que a medida acontece por causa das expectativas econômicas.