sábado , 6 setembro 2025
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Inteligência artificial como apoio emocional preocupa especialistas

Na França, um quarto dos jovens está deprimido, segundo uma pesquisa realizada por três institutos, com base em 5.600 pessoas entre 15 e 29 anos. Diante desse sofrimento psicológico, cada vez mais jovens recorrem à inteligência artificial em vez de profissionais, pela facilidade ou pelos custos mais baixos. Uma tendência que preocupa especialistas em saúde mental.

Após um caso de suicídio nos EUA, a OpenAI, proprietária do ChatGPT, anunciou na terça-feira (3/9) a implementação de um mecanismo de controle parental.

Denise Gaelzer Mac Ginity, psicóloga e psicanalista franco-brasileira que atende adolescentes e adultos em Paris, analisa que a normalização do uso de ferramentas digitais para cuidar da saúde mental ganhou força durante a pandemia de COVID-19, quando “os meios digitais foram a forma de manter ativos os vínculos sociais, mesmo que através de uma tela”.

“Perdeu-se muito, mas as circunstâncias permitiam apenas isso, para que nós, seres humanos e sociais, preservássemos os vínculos essenciais e não fôssemos encapsulados por nosso próprio ego ou solidão. O fato é que, com a instabilidade mundial aumentando, vimos disparar uma outra epidemia, bem mais silenciosa que a anterior: a de depressão, ansiedade e burnout”, aponta.

Em seus atendimentos, Denise constata que “o digital e a depressão estão cada vez mais interligados”: “O sujeito psicologicamente frágil encontra no virtual uma forma rápida de aplacar sua solidão, sem necessariamente pensar no que está lhe causando sofrimento”.

“Se antes tínhamos a comida, o álcool, o cigarro, as drogas em geral para anestesiar nossas dores, agora temos as redes sociais e ‘os chats GPT’”, alerta Denise Mac Ginity.

A profissional considera essencial que a questão seja discutida e regulamentada por órgãos que respondam com responsabilidade a esta demanda social crescente.

Na França, existem alternativas ao ChatGPT para conversar sobre problemas a qualquer momento, como o Owlie — um agente conversacional criado por psicólogos franceses, disponível 24 horas por dia, sete dias por semana. Mas a própria ferramenta alerta: “Este chatbot não substitui o suporte profissional”.

“Como posso ajudar?”

Para a pergunta que inicia as conversas com o ChatGPT, as respostas mais frequentes, segundo um estudo da Harvard Business Review, são: “Me sinto sobrecarregado”, “Tenho medo do futuro” ou “Não consigo mais dormir”.

Lucas Natan, arquiteto brasileiro que mora em Paris há quatro anos, enfrentou dificuldades de adaptação à cultura e à burocracia francesas. Por um tempo, buscou ajuda com psicólogos que não o ajudavam muito, até encontrar uma psicóloga especializada em brasileiros no exterior, em atendimento online. Após o encerramento das atividades da profissional, ele experimentou o ChatGPT e gostou da experiência.

“Não digo que a inteligência artificial vá substituir de fato um psicólogo. Mas achei que, pela forma como fiz os prompts, ela acabou sendo mais parecida com a psicóloga que eu mais gostei. Foi mais direta ao ponto. Eu pedia para ela fazer algumas análises da situação que eu relatava, e realmente senti que o feedback era positivo e me ajudou. Acho que o importante não é se você fala com um ser humano ou com uma máquina. Isso é o que menos importa. O mais importante é se sentir bem consigo mesmo. Nesse sentido, a inteligência artificial acabou me ajudando”, diz.

Valores baixos para conforto raso

Além disso, os valores das consultas com profissionais foram citados pelo arquiteto como um dos aspectos que podem influenciar na escolha dos jovens. Enquanto uma sessão com um terapeuta na França custa, em média, € 70 (cerca de R$ 440), conversar com uma IA generativa é gratuito, ou, na versão paga do ChatGPT, € 23 por mês (R$ 146).

Sophia, uma jovem norte-americana que chegou à França há um ano para estudar moda, passou a considerar o aplicativo como um confidente a baixo preço: “Está ficando muito difícil distinguir entre um amigo e um robô. Quando você conversa com ele, parece tão real, e ele nunca te lembra que é apenas um robô. O ChatGPT sempre estará do seu lado. É reconfortante. Não importa o que você diga, ele sempre responde: ‘sim, concordo com você’”, conta a estudante à RFI em espanhol.

O reforço positivo pode ser perigoso, segundo a psicanalista e psicóloga brasileira Juliana Sperandio Faria, que atende em Paris. Ela relata que já ouviu casos semelhantes em seu consultório.

“Os próprios pacientes falam que as soluções que o ChatGPT dá são muito rasas. Fica tudo muito superficial. Não é que não existam técnicas superficiais para certas coisas, mas aquilo não toca no problema de fato. Não existe uma preocupação do ChatGPT em investigar o que é aquela ansiedade, por exemplo. Ele vai tentar te dar uma série de comportamentos para diminuir a ansiedade, mas esses comportamentos podem ser muito diferentes do que um psicólogo indicaria”, avalia Juliana Sperandio Faria.

“O principal problema do chatbot é que ele é programado para te enaltecer o tempo inteiro. É um programa que visa um reforço egóico, e isso gera o empobrecimento das nossas relações sociais e mentais. O excesso de narcisismo, na forma como nos relacionamos, pode causar uma dificuldade extrema de lidar com a diferença. Vamos nos viciando em receber reforços positivos sobre nossa personalidade o tempo todo”, aponta Juliana.

A OpenAI implementou mecanismos para alertar os usuários quando as confissões se tornam muito sérias. No entanto, se a conversa dura muito tempo ou palavras-chave não aparecem, a IA não exibe mensagens de prevenção nem números de emergência.

A empresa americana também anunciou na terça-feira (3) um novo mecanismo de controle parental para seu chatbot de inteligência artificial, o ChatGPT. A medida foi tomada após pais americanos processarem a OpenAI, dona da ferramenta, acusando o dispositivo de ter incentivado o suicídio de seu filho de 16 anos no fim de agosto.

Leia mais em RFI, parceira do Metrópoles.

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