A Controladoria-Geral da União (CGU) passou a investigar a “fraude da fraude” no INSS com o uso de áudios falsos por entidades para contestar pedidos de ressarcimento de aposentados e pensionistas que tiveram descontos indevidos de seus benefícios.
A CGU apura se entidades usaram documentação falsa, entre elas áudios editados, com o objetivo de comprovar a autorização de aposentados e pensionistas nos processos de ressarcimento pelos descontos indevidos da farra do INSS revelada pelo Metrópoles.
Em uma contestação, ao qual a coluna teve acesso, a entidade usa um áudio nome de uma aposentada para provar a autorização de outra aposentada com nome diferente.
Na gravação, uma atendente que fala em nome da Associação de Aposentados Mutualista para Benefícios Coletivos (Ambec) chama a aposentada de “Vera Lúcia”. Na conversa, a aposentada “confirma” sua adesão ao clube de benefícios da entidade.
Ao final do contato, a atendente faz a leitura do termo de consentimento da aposentada, que autorizaria o desconto mensal de R$ 45 do benefício previdenciário.
“Autorizo”, diz “Vera” ao final da ligação. O áudio, no entanto, foi anexado pela Ambec no processo da aposentada Martha Lopes Carvalho, no aplicativo Meu INSS, em que ela contestou a autorização citada pela entidade.
A aposentada disse à coluna que ainda não recebeu o reembolso do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Ouça:
Um caso cujo áudio foi acessado pela coluna, o aposentado aparece falando apenas sim, após perguntas que parecem terem sido gravadas em um outro contextos e editadas com a inclusão da resposta “Sim”.
Nesse caso, o investigadores também suspeita de uma edição para mudar o contexto da reposta “Sim” dada pelo suposto aposentado.
Além de áudios supostamente editados, também está sob apuração da CGU o uso de documentos falsos, que têm sido apresentados por entidades nos processos de ressarcimento por meio do aplicativo Meu INSS e o uso de assinatura falsa em autorizações de desconto.
O movimento identificado pelas autoridades, como mostrou a coluna, tem sido tratado como uma “fraude da fraude”. O início do ressarcimento aos aposentados afetados pelos descontos indevidos começou na quinta-feira (24/7).
Em outro caso, o aposentado negou ter dado autorização para o desconto e, em seguida, a entidade apresentou áudios para comprovar a liberação. Como tréplica, o aposentado apontou que os documentos não eram válidos, o que foi acatado pelo INSS.
Os registros mostram que a autorização do aposentado foi formalizada pela Balcão das Oportunidades Serviços Administrativos Ltda, empresa que, segundo apuração da Polícia Federal (PF) na operação Sem Desconto, teria recebido R$ 9 milhões da Ambec.
No áudio acessado pela coluna, o aposentado não revela o nome completo, depois utilizado no cadastro. Em seguida, confirma os dados e autoriza o desconto em uma gravação com indícios de cortes como os citados pelo funcionário da Balcão da Oportunidades em entrevista ao Metrópoles.
Um documento apresentado pela entidade também registra um endereço sem qualquer relação com o aposentado.
Em maio deste ano, o Metrópoles entrevistou um ex-funcionário da Balcão de Oportunidades que disse que a empresa era contratada para fabricar áudios fraudulentos utilizados como prova de que os aposentados se filiaram às associações envolvidas na farra do INSS.
O ex-funcionário detalhou como se dava as ligações para captar as falas dos aposentados que depois eram editadas e colocadas no contexto da autorização do desconto pelas entidades.
Como funcionava o esquema
- O ex-funcionário, que trabalhou na Balcão das Oportunidades e falou sob condição de anonimato, disse que a empresa pagava por acesso a dados de aposentados e orientava funcionários a fazerem uma ligação inicial, na qual ofereciam vantagens ou até mesmo o cancelamento de descontos sobre suas aposentadorias.
- Deste áudio, editores da empresa pinçavam somente a voz do cliente confirmando seus dados pessoais e dizendo palavras como “sim”. Na sequência, montavam outra versão, com diálogos em que o atendente oferecia a filiação às associações da farra dos descontos e o aposentado aceitava.
- A empresa é citada nas quebras de sigilo bancário da Polícia Federal (PF), na Operação Sem Desconto, que investiga o esquema bilionário de fraudes sobre aposentados do INSS, revelado pelo Metrópoles.
- O Balcão de Oportunidades recebeu R$ 9 milhões somente da Ambec, uma das principais entidades da farra dos descontos, e tem contratos milionários com a Cebap, segundo documentos obtidos pelo Metrópoles.
- As associações são ligadas ao empresário Maurício Camisotti, suspeito de faturar mais de R$ 40 milhões com os descontos e de pagar propinas a diretores do INSS.
Defesa
Defesa
A coluna procurou o INSS na manhã da quarta-feira (23/7) e questionou sobre a apuração da CGU relacionadas a suspeita de uso de documentação falsa pelas entidades. No final da tarde do mesmo dia, o INSS enviou uma nota sem responder quais medidas haviam sido tomadas, quais entidades sob suspeita e quantos casos estão sob suspeita.
Já na quinta-feira (24/7), após os questionamento da coluna, o presidente do INSS, Gilberto Waller Júnior, confirmou em entrevista a rádio CBN que entidades tentaram fraudar o ressarcimento com o uso de assinaturas falsas e áudio. Ele classificou o episódio como “fraude da fraude”.
Em nota enviada à coluna, o INSS afirma que “a comprovação por parte das entidades exige a apresentação conjunta de três itens — documento de identidade com foto, termo de filiação e termo de autorização de desconto —, não havendo previsão para o uso de gravações de áudio como comprovante.”
“Não confirmando as informações disponibilizadas pela entidade, o processo é encaminhado para auditoria interna, e a entidade associativa é notificada para que realize a devolução dos valores. Se a associação não fizer a devolução, o beneficiário será orientado sobre as medidas judiciais cabíveis”, diz a nota.
Já a defesa de Camisotti afirmou que o empresário e suas empresas não se envolveram em irregularidades de qualquer natureza.
“A Benfix, empresa da qual Maurício Camisotti é sócio desde 2006, foi contratada para fornecer gestão tecnológica e administrativa profissional às associações”, disse em nota à imprensa.
A defesa também ressalta que a Benfix não tinha a atribuição de captação de novos associados e que isso ficava a cargo de correspondentes bancários e empresas de telemarketing, que eram contratadas diretamente pelas associações, “de forma totalmente independente”.
“O empresário contratou uma renomada multinacional de investigação corporativa para analisar minuciosamente todo o funcionamento das associações. Os resultados completos dessa análise serão prontamente enviados às autoridades competentes”, concluiu.
A Ambec, por sua vez, afirma que a captação de áudio é tarefa prestada pelos correspondentes bancários que praticam a atividade de captação de novos associados para a Ambec, assim como para outras entidades e bancos em todo o Brasil. Nesse caso, diz que “não é de sua responsabilidade e a prática de atividade de captação do áudio que confirmou a livre afiliação da beneficiária Sra. Martha Lopes Camargo”.
Segundo nota enviada à coluna pela defesa da Ambec, esses correspondentes bancários, após realizarem o procedimento de afiliação, enviam para a AMBEC um “kit” de afiliação contendo: (i) ficha de autorização; (ii) documentos pessoais; (iii) e o referido áudio decorrente de ligação realizada pelo correspondente bancário.
A entidade ainda relata que recebeu o “kit” de afiliação do correspondente bancário Balcão das Oportunidades, e que repassou tal kit ao sistema PDMA do INSS, de acordo com a própria instrução normativa que regulamenta esse tema.
“A AMBEC não pode ser responsabilizada pela coleta do áudio, porque não é responsável pela sua captação. Também não pode ser responsabilizada por eventuais documentos trocados no momento do tratamento e manipulação de organização dos documentos após enviados e internalizados no sistema PDMA do INSS”, afirma.
Segundo a associação, o sistema PDMA do INSS tem apresentado problemas de instabilidade, possivelmente dado ao volume de informações e documentos enviados por diversas entidades, “podendo ser essa a razão da confusão no caso presente”. A entidade afirma que um mandado de segurança foi impetrado pela Ambec para “narrar as possíveis trocas de dados de associados no sistema PDMA do INSS”.
“Reforça-se, assim, que a Associação identificou o áudio referente à beneficiária Sra. Martha Lopes Camargo, decorrente de ligação realizada pelo correspondente Balão das Oportunidade e Serviços Administrativos Ltda., que está devidamente arquivado e à disposição. Bem por isso que a AMBEC já notificou o INSS solicitando a devida correção”, diz a nota.
A entidade também reforça que a captação e prospecção de possíveis associados não é realizada diretamente pela associação e, portanto, “se algum tipo de fraude e/ou vício de consentimento houve, tal conduta ocorreu no momento da prospecção e afiliação de novos associados, atividade essa prestada por empresas privadas e não pela AMBEC. Se qualquer fraude ocorreu, a associação é tão vítima quanto seus associados”, conclui a entidade.