A cidade de Rio Bonito do Iguaçu, no centro-sul do Paraná, teve 90% de suas residências e estabelecimentos comerciais destruídos por um tornado na última sexta-feira (7). A situação pode fazer com que o município tenha acesso a recursos federais, tramitações simplificadas e, em muitos casos, flexibilização de regras orçamentárias, desde que seja decretado estado de calamidade pública.
No sábado (8/11), o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) reconheceu, de maneira sumária, que o município estava nessa condição. A Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) decretou o estado de calamidade pública na cidade no domingo (9/11).
O reconhecimento do estado de calamidade pública permite às autoridades tomarem medidas administrativas e financeiras extraordinárias para lidar com a situação, mas não garante que o município, de fato, disponha dessas garantias.
Segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), a Lei 12.608/2012, que dispõe sobre a Política e o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC e Sinpdec), estabelece que o município ou o estado que decretou situação de emergência ou estado de calamidade pública, e que obteve o reconhecimento pelo governo federal, não tem prerrogativa automática de isenção geral de taxas e multas em prestações de contas.
Porém, é concedida a suspensão de prazos e metas fiscais em casos de desastres, e a legislação pode prever a suspensão da contagem de prazos para limites de despesa com pessoal e dívidas consolidadas, além de permitir que as metas fiscais sejam ultrapassadas, sem incorrer nas penalidades da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Todas as medidas, contudo, têm prazo de validade, que pode variar em cada caso.
Benefícios para pessoas físicas em casos de calamidade pública
Nessas situações, as pessoas afetadas pelos desastres naturais podem ter acesso a isenções e, até mesmo, adiantamento de recursos, como do FGTS. O presidente executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), João Eloi Olenike, afirma que, além dos benefícios fiscais, existem ações diretas em serviços financeiros que podem auxiliar os atingidos.
- Auxílio-reconstrução: em casos graves, o governo federal pode instituir um auxílio financeiro em parcela única (como R$ 5 mil), pago diretamente às famílias desalojadas ou desabrigadas, mediante comprovação de perda.
- Moradia: o programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) possui uma modalidade específica para desastres, priorizando e facilitando a construção ou aquisição de moradias para as famílias que perderam suas casas.
- Suspensão de financiamentos: projetos de lei e medidas emergenciais têm permitido que pessoas físicas e microempreendedores individuais (MEIs) solicitem a suspensão do pagamento de prestações de financiamentos bancários (como crédito imobiliário e pessoal) por um prazo determinado nas áreas de calamidade, sem a cobrança de encargos adicionais ou juros de mora.
- Seguro-desemprego: em casos de calamidade pública, o trabalhador que foi demitido pode ter direito a parcelas adicionais do seguro-desemprego.
Como mostrou a Gazeta do Povo, os deputados paranaenses aprovaram mudanças no Fundo Estadual de Calamidade Pública (Fecap) para agilizar o repasse ao município de Rio Bonito do Iguaçu. Segundo o governo estadual, o fundo deve destinar R$ 50 milhões aos desabrigados pela tragédia climática. Os recursos serão destinados diretamente às famílias, que vão receber até R$ 50 mil cada para reconstrução das casas.
Trabalhadores CLT afetados podem ter adiantamento de FGTS
Outro benefício concedido aos trabalhadores com carteira assinada que tenham sido afetados é o adiantamento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), na modalidade saque-calamidade. As pessoas atingidas podem sacar até R$ 6.220 por evento.
A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), afirmou que o governo Lula deve liberar o FGTS para os trabalhadores afetados pela passagem do tornado. “Estamos tomando providências em relação ao FGTS. Conversei com o presidente da Caixa Econômica antes de vir pra cá”, disse a ministra em visita ao município.
A legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) ainda prevê a isenção do tributo na saída de mercadorias doadas ao governo para distribuição a pessoas necessitadas. João Eloi afirma que há projetos em comissões da Câmara e do Senado para isentar o IPI na compra de eletrodomésticos, móveis e até mesmo carros novos – em substituição ao veículo perdido sem seguro – para famílias atingidas, limitando o benefício a uma única vez e a um determinado valor.
Outras medidas que podem ser adotadas para os afetados pelo tornado
O professor de gestão tributária na Fipecafi, Helder Santos, explica que a Receita Federal pode prorrogar vencimentos de tributos (inclusive parcelamentos) e suspender prazos processuais e de obrigações acessórias para contribuintes domiciliados em municípios com emergência ou calamidade reconhecida. Tal prática foi adotada nas enchentes do Rio Grande do Sul, em 2024.
Por sua vez, o estado do Paraná pode conceder isenção de ICMS em operações com mercadorias destinadas à reconstrução e de IPVA, que ainda pode ter o débito suspenso para veículos totalmente destruídos e comprovadamente perdidos na calamidade. No Paraná, a Lei nº 9.563/2022 autoriza o Executivo estadual a alterar o calendário de pagamento desses tributos em hipóteses de calamidade.
Municípios podem ter regras fiscais flexibilizadas
Outro ponto destacado pelos especialistas é a flexibilização das regras fiscais para o município. Helder Santos, da Fipecafi, explica que, no caso da Lei de Responsabilidade Fiscal, por exemplo, podem ser suspensas exigências de cumprimento de metas fiscais e limites de endividamento ou resultado primário, permitindo reprogramações e medidas excepcionais orçamentárias e financeiras.
A União ainda pode autorizar a suspensão ou renegociação do pagamento de dívidas do município com o governo federal ou com bancos públicos federais, liberando recursos do caixa municipal para a recuperação.
Também há previsão para suspensão de exigências em convênios dos municípios com a União, como a dispensa de apresentar certidões negativas ou a extensão do prazo de validade de Certidões Negativas de Débitos (CNDs) e Positivas com Efeitos de Negativa (CPENDs).
Fundos de repasse podem ser utilizados por cidades após desastres
João Eloi, do IBPT, afirma que os municípios podem dispor de alguns adiantamentos ou benefícios extras, via fundos destinados à municipalidade.
- Fundo Nacional de Proteção e Defesa Civil (FNDC): é o principal canal para o repasse de recursos federais. O município deve apresentar um plano de trabalho para obter verbas para ações de resposta (socorro, assistência humanitária) e reconstrução (obras, restabelecimento de serviços essenciais).
- Abertura de crédito extraordinário: em situações de calamidade de grande impacto (como nas enchentes do Rio Grande do Sul), o governo federal pode editar medidas provisórias para abrir créditos extraordinários no orçamento, destinando recursos para ações de recuperação.
- Fundo de Participação dos Municípios (FPM): é possível o adiantamento de verbas via FPM. Em casos de grande calamidade, o governo federal pode autorizar o repasse de parcelas extras do FPM, como uma antecipação ou auxílio financeiro emergencial para dar liquidez imediata aos municípios afetados. Há precedentes recentes para municípios em estado de calamidade.













