Um dos pilares da reforma tributária, o Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB), apelidado de “CPF dos Imóveis”, entra em vigor em 2026 e pode favorecer o aumento do IPTU em milhares de municípios. Ao centralizar dados e criar um valor de referência nacional, o sistema fornecerá às prefeituras as ferramentas para corrigir valores venais eventualmente defasados, afetando diretamente o bolso dos donos de imóveis e a tributação de aluguéis.
O que é o CIB e por que ele pode gerar um aumento do IPTU?
O CIB foi instituído pela Lei Complementar 214/2025, que regulamentou parte da reforma tributária sobre o consumo. O cadastro foi criado para dar suporte à fiscalização do IBS e da CBS, respectivamente Imposto e Contribuição sobre Bens e Serviços, que substituirão cinco tributos atuais (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) a partir de 2027.
A centralização de dados imobiliários facilita o controle sobre operações de locação, que passarão a ser tributadas pelo novo sistema. Embora o CIB não tenha sido criado para cobrar o IPTU, ele dá à Receita Federal visibilidade total sobre o patrimônio imobiliário do país e compartilha esses dados com os municípios.
O tributarista Samuel Miranda, do Rangel de Miranda Advogados Associados, acredita que o cenário de alta do IPTU é mais provável em cidades do interior. Segundo ele, nas capitais, o valor de referência para o imposto já está próximo do praticado pelo mercado.
O peso do IPTU nos cofres públicos vem perdendo força desde 2019, quando correspondeu a 0,65% do PIB, de acordo com o Observatório de Política Fiscal da Fundação Getulio Vargas (FGV). No ano passado, caiu para 0,59%. No mesmo período, a carga tributária brasileira passou de 32,5% do PIB para 34,2%, segundo a mesma fonte.
A perda de participação do IPTU na arrecadação reflete, em parte, a defasagem dos valores venais. Enquanto o mercado imobiliário se valorizou, muitas prefeituras não atualizaram suas bases de cálculo, seja por falta de dados confiáveis, seja por resistência política a aumentos de impostos.
Fim da fragmentação: como o “CPF dos Imóveis” unifica os dados
A informalidade nos contratos de aluguel e a omissão patrimonial ficam mais difíceis a partir de 2026. O CIB funciona como um identificador nacional único para cada imóvel, seja urbano ou rural, centralizando informações que até hoje permaneciam dispersas. O sistema integra dados de cartórios de registro de imóveis, prefeituras, Receita Federal e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
O advogado Vinicius Cunha, especialista em Direito Tributário e sócio da MCW Advogados, explica que o CIB responde a uma antiga demanda por maior controle e eficiência. Ele detalha que o cadastro permitirá às administrações tributárias acompanhar e fiscalizar de forma mais abrangente as operações imobiliárias, com o cruzamento de informações que tabelionatos, registros de imóveis e cadastros municipais mantinham fragmentadas.
Até agora, cada entidade tinha seu próprio número para o mesmo bem:
- O cartório de registro de imóveis (RGI) usava o número de matrícula
- A prefeitura, a inscrição imobiliária para IPTU e licença de obra
- O Incra, um número específico para o imóvel rural
O CIB acaba com essa fragmentação e integra-se ao Sinter (Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais). Com todos os imóveis cadastrados em um sistema único, a Receita Federal ganha capacidade de fiscalização sem precedentes.
Receita fecha o cerco sobre a sonegação de aluguéis
Na prática, o Fisco terá condições de identificar inconsistências entre as declarações de renda, os registros de ocupação e os contratos formais. Quando o inquilino declarar que aluga um imóvel e o proprietário não declarar o rendimento, o Fisco encontrará sistematicamente essa divergência.
A partir de janeiro de 2026, o proprietário que nunca declarou sua propriedade no Imposto de Renda terá de incluir o bem no CIB. O Fisco pode cobrar Imposto de Renda atrasado, multa de até 150%, correção monetária e juros (Selic) sobre os rendimentos de aluguéis não declarados nos últimos cinco anos. Para quem está nessa situação, a única solução viável é a declaração espontânea, que evita crime fiscal e permite parcelar os valores devidos.
Valor de referência nacional pressiona prefeituras a reajustar IPTU
Junto com o CIB, a Receita Federal estabeleceu regras para o compartilhamento de informações pelo Sinter. Anualmente, o Fisco definirá um valor de referência para cada bem, calculado com base em dados de mercado, características físicas e jurídicas do imóvel. A Receita divulgará a informação no Cinter (Cadastro de Informações Territoriais), criando um elo indireto com o IPTU.
A prefeitura define o valor venal de cada imóvel e calcula o IPTU com base nele. Muitas cidades mantêm valores venais desatualizados, abaixo do preço de mercado. A criação de um banco de dados nacional com valor de referência que reflete o preço de mercado cria um ponto de comparação que as prefeituras não poderão ignorar.
O advogado Eduardo Natal, sócio do escritório Natal & Manssur Advogados, avalia que o parâmetro se tornará referência para a fiscalização, aumentando o cruzamento de informações.
Segundo Miranda, as prefeituras poderão aumentar significativamente o IPTU. Ele aponta que em cidades menores e no interior os valores estão muito defasados. “O CIB tornará muito plausível que várias cidades com valor venal defasado usem esse dado para atualizar o IPTU”, afirma.
O raciocínio municipal é simples: se o valor de referência indica que o imóvel vale muito mais do que o valor venal atual, a prefeitura pode concluir que deve cobrar mais. O CIB, portanto, não altera a lei do IPTU, mas fornece dados que podem justificar a correção dos valores venais defasados. A decisão de reajustar a base de cálculo do imposto, porém, cabe a cada município.
Os efeitos da nova tributação de aluguéis com a reforma tributária
Para os proprietários que se enquadrarem nas novas regras de IBS e CBS sobre locação, o Fisco não cobrará o IPTU em dobro. O contribuinte pode abater o IPTU da base de cálculo do novo imposto sobre consumo.
A reforma tributária visa evitar distorções na conta do aluguel. IBS e CBS incidirão sobre o valor do aluguel, juros e multas. A lei prevê, contudo, que o contribuinte remova condomínio, IPTU e emolumentos da base de cálculo.
A tributarista Bianca Xavier, professora da FGV Direito Rio, explica que, na apuração do tributo, o contribuinte pode descontar o valor dos impostos (como o IPTU) e do condomínio.
Este mecanismo impede que o proprietário pague o novo imposto sobre custos que apenas repassa, como o IPTU. O imposto predial permanece como um custo municipal. O proprietário o paga diretamente ou o repassa ao inquilino, mas o retira da base de cálculo de IBS e CBS.
Quem será tributado por IBS e CBS na locação?
O novo regime de tributação sobre aluguéis começa em 2027. O Fisco tributará apenas pessoas físicas com atividade econômica que preencham dois critérios cumulativos:
- Possuir mais de três imóveis alugados
- Ter receita anual de aluguéis superior a R$ 240 mil (corrigidos pelo IPCA)
Quem não atender a ambos os critérios permanece no regime atual de tributação pela tabela progressiva do Imposto de Renda.
Para quem se enquadrar, a alíquota será reduzida em 70% em relação à alíquota padrão de IBS e CBS. Existe ainda um abatimento mensal de R$ 600 na base de cálculo para locação residencial.
O que esperar: custos repassados e ações imediatas
A implementação do CIB e a possível atualização do IPTU trazem consequências diretas ao mercado imobiliário. Se as prefeituras reajustarem o IPTU, proprietários tenderão a repassar o custo aos inquilinos.
Além do IPTU, a nova incidência de IBS e CBS sobre locações de alto volume a partir de 2027 elevará os preços. O advogado Vinicius Cunha orienta que os locadores insiram cláusulas contratuais, via aditivos, prevendo expressamente o repasse do IBS e CBS.
A tributarista Andressa Sehn da Costa, sócia da área de entidades no escritório Rafael Pandolfo Advogados Associado, ressalta que a Lei Complementar 214/2025 estabelece prazos apertados para adequação dos contratos em vigência, com limite em 31 de dezembro de 2025.
Proprietários com contratos antigos (com firma reconhecida antes de janeiro de 2025) têm até essa data para registrar o contrato no Registro Geral de Imóveis (RGI) e ter direito a uma redução ainda maior do novo imposto.
O que os donos de imóveis devem fazer agora com a reforma tributária?
O impacto no bolso virá de dois lados. Primeiro, a possível atualização de valores venais defasados pelas prefeituras, com consequente reajuste do IPTU. Segundo, a nova tributação sobre locações de alto volume (mais de três imóveis e receita anual acima de R$ 240 mil). Proprietários tendem a repassar ambos os custos aos inquilinos, elevando o preço dos aluguéis.
Os especialistas recomendam três ações imediatas:
- Regularizar contratos de aluguel: Proprietários com contratos antigos devem registrá-los no RGI até 31 de dezembro de 2025 para garantir redução adicional do IBS/CBS.
- Declarar rendimentos omitidos: Quem nunca declarou aluguéis deve fazer declaração espontânea antes de 2026, evitando multas de até 150%.
- Revisar estratégia tributária: Proprietários com mais de três imóveis e receita anual acima de R$ 240 mil devem consultar um tributarista para avaliar o impacto do novo regime.













