A eventual condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pode desencadear uma escalada de retaliações econômicas dos Estados Unidos contra o Brasil. Seu impacto ameaçaria a estabilidade financeira brasileira em um momento já delicado para a economia nacional.
O governo americano já demonstrou sua disposição para agir. O presidente dos EUA, Donald Trump, classifica publicamente o julgamento no STF como uma perseguição antidemocrática a seu aliado e à direita como um todo.
A tensão crescente entre Brasil e EUA
A tensão entre os dois países vem ganhando força. Em junho, a Casa Branca impôs tarifas de pelo menos 50% sobre a maioria dos produtos brasileiros e enquadrou o ministro do STF Alexandre de Moraes na Lei Magnitsky, dispositivo que permite aos EUA sancionar estrangeiros envolvidos em atos de corrupção e violações de direitos humanos.
Os efeitos já aparecem. As exportações brasileiras para os Estados Unidos caíram 18,5% em agosto, primeiro mês de vigência do tarifaço.
O julgamento de Bolsonaro, acompanhado de perto pelo mercado financeiro, alimenta expectativas de maior volatilidade e possíveis impactos de maior força. Diante desse cenário de tensão crescente, especialistas mapeiam vários níveis de possíveis retaliações americanas.
Impactos de condenação de Bolsonaro seriam imediatos no mercado financeiro
O efeito mais imediato de uma eventual condenação seria o aumento na percepção de risco em relação aos ativos brasileiros. Segundo analistas consultados pela Gazeta do Povo, isso se traduziria em queda no Ibovespa, principal indicador da B3, acompanhada de alta do dólar e dos juros futuros, elevando o custo do dinheiro para consumidores e empresas.
“Com uma confirmação da condenação, o mercado espera uma retaliação do presidente Donald Trump, que pode fazer com que mais empresas e pessoas sejam alvo da Lei Magnitsky”, explica Gabriel Mollo, analista de investimentos da Daycoval Corretora.
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Contudo, nem todos os especialistas veem o cenário como catastrófico. Segundo Antônio Patrus, diretor da Bossa Invest, trata-se de uma situação que poderia gerar desconforto localizado em segmentos de exportação ou operações financeiras mais sensíveis, mas dificilmente teria força para desestabilizar o conjunto da economia.
“A economia tende a absorver esse tipo de pressão sem perder seu rumo principal, que segue determinado por fatores internos como inflação, juros, crescimento e política fiscal.”
Cenários de escalada dos EUA em uma eventual condenação de Bolsonaro
Ampliação das sanções individuais e o dilema dos bancos
Segundo a consultoria Eurasia Group, novas suspensões de vistos para funcionários brasileiros e uma interpretação mais dura da Lei Magnitsky são medidas prováveis. Mais membros do STF poderiam ser incluídos na lista de sancionados, ampliando um dilema operacional para instituições financeiras brasileiras.
Isso ocorre devido à decisão tomada em agosto pelo ministro Flávio Dino, do STF, que impede a aplicação de leis e ordens estrangeiras sem validação judicial no Brasil.
Alexandre Schwartsman, ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central, destaca que a aplicação da Lei Magnitsky coloca os bancos brasileiros que operam nos EUA em uma “sinuca de bico”.
Se as instituições financeiras cumprirem a decisão do STF e mantiverem laços comerciais com autoridades sancionadas, correm o risco de penalidades americanas: multas pesadas, suspensão de licenças e restrições a operações em dólar. Por outro lado, se optarem por respeitar a Lei Magnitsky e encerrarem contratos, podem ser punidos pela justiça brasileira.
“Não dá para servir a dois senhores ao mesmo tempo”, resume Schwartsman.
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Banco do Brasil na mira do governo americano
Outra possibilidade cogitada é sancionar diretamente o Banco do Brasil, onde servidores públicos – incluindo provavelmente o ministro Moraes – recebem seus salários.
A ameaça já levou a instituição financeira a preparar um plano de contingência para lidar com possíveis sanções adicionais. O objetivo é proteger os cerca de 50 mil clientes da instituição nos Estados Unidos e suas operações nos escritórios de Nova York e Miami. A estratégia está sendo alinhada com orientações jurídicas de escritórios de advocacia americanos.
Segundo a Bloomberg, o banco estuda migrar parte das transações para outras unidades no exterior como forma de proteção.
O governo brasileiro, principal acionista do BB, também solicitou análises técnicas sobre os métodos de verificação utilizados pelo governo norte-americano.
Em nota oficial, o banco estatal informou que “as operações ocorrem sempre dentro do marco legal, regulatório e ético, garantindo que as ações institucionais estejam estritamente em conformidade com as normas vigentes no Brasil e nos países onde atua há mais de 80 anos.”
Crime organizado classificado como terrorismo
Christopher Garman, diretor da Eurasia Group para as Américas, aponta outra possibilidade significativa: a classificação de grupos do crime organizado, como o Comando Vermelho (CV) e o PCC, como organizações terroristas. Essa medida aumentaria drasticamente os riscos de compliance (conformidade) para instituições financeiras que operam no Brasil.
Nesse mesmo nível de probabilidade média, a consultoria avalia que novas tarifas baseadas na seção 301 do Escritório de Representação Comercial dos Estados Unidos (USTR) e o estabelecimento de restrições à transferência de tecnologia são hipóteses menos prováveis que as sanções individuais, mas mais viáveis que medidas comerciais abrangentes.
O cenário extremo: exclusão do sistema Swift
A possibilidade considerada mais remota pelos analistas seria a exclusão do Brasil do Swift, o consórcio de bancos internacionais sediado na Bélgica responsável pela execução da maior parte das transações globais. A exclusão significaria que o Brasil ficaria “ilhado no sistema financeiro internacional”, interrompendo exportações, importações, investimentos e remessas.
“Isto exigiria um acordo muito amplo, incluindo bancos europeus. A probabilidade [de exclusão do Brasil] é muito baixa”, avalia Schwartsman.
Os efeitos seriam “catastróficos”, gerando imensas dificuldades para transacionar e afetando diretamente o comércio internacional e a atividade econômica doméstica. A medida foi aplicada contra a Rússia em 2022 devido à guerra na Ucrânia.
O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, afirmou ter recebido garantias do consórcio Swift de que não acataria decisões americanas arbitrárias, pois segue o marco legal europeu.
A resposta do Brasil: entre a cautela e a reciprocidade
Enquanto o Brasil busca se defender de medidas mais drásticas no cenário internacional, o governo em Brasília já estuda suas próprias respostas a Washington. Retaliações americanas poderiam ser seguidas por uma contrapartida brasileira, destaca a Eurasia Group. A mais provável seria a penalização de empresas e instituições que se adequassem à Lei Magnitsky.
Outras hipóteses consideradas incluem uma regulação mais rígida das redes sociais, o estabelecimento de tributos sobre serviços digitais e a retirada de direitos de propriedade intelectual de produtos e serviços de origem norte-americana.
As menores possibilidades, segundo a consultoria, são o estabelecimento de tarifas recíprocas pelo Brasil e o controle no envio de lucros e dividendos de subsidiárias brasileiras de empresas americanas.
Dois fatores pesam contra o estabelecimento de tarifas comerciais recíprocas por parte do Brasil. Primeiro, apesar de o presidente Lula ter acionado a aplicação da Lei de Reciprocidade Econômica, trata-se de um processo que deve demorar sete meses e exige uma série de estudos e análises. Além disso, o decreto de Trump já prevê uma escalada: se o Brasil retaliar, os Estados Unidos aumentarão as tarifas.
Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria, alerta que um aumento para 100% nas tarifas – já cogitado pelo republicano – inviabilizaria completamente as exportações brasileiras para o mercado americano.
Fábio Murad, economista e CEO da Super-ETF Educação, não acredita em um novo tarifaço. “O Brasil é um dos maiores fornecedores globais de alimentos, energia e minerais, o que confere ao país uma posição estratégica difícil de ser substituída”, diz.
“Isso significa que, na prática, embora o risco de novas sanções exista, a chance de atingir o coração da economia nacional é bastante reduzida. Caso haja alguma medida, elas serão especificas e não devem comprometer de maneira estrutural o comércio ou os investimentos.”
Efeitos da crise no Brasil vão depender dos próximos passos
A forma como a crise política e diplomática será administrada deve determinar o ritmo da economia e o peso no bolso dos brasileiros nos próximos meses, aponta Adriana Ricci, sócia da SHS Investimentos.
“Se o Brasil se mostra mais frágil politicamente, o mercado cobra um preço mais alto e isso chega até o consumidor de alguma forma”, explica.
A analista ressalta que o investidor é movido pela confiança. “Quando o cenário político mostra sinais de instabilidade e existe o risco de atrito com uma potência como os Estados Unidos, o reflexo imediato é a busca por proteção, e isso fortalece o dólar e aumenta a volatilidade da Bolsa.”
Nos próximos meses, os mercados estarão atentos não apenas aos desdobramentos jurídicos do caso Bolsonaro, mas também à capacidade de ambos os governos em encontrar uma saída que preserve os interesses econômicos e as relações bilaterais historicamente sólidas entre Brasil e Estados Unidos.