quinta-feira , 11 setembro 2025
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Celso Amorim: ameaça militar dos EUA é 'preocupante', mas não muda julgamento de Bolsonaro


Porta-voz diz que EUA usarão meios, inclusive militar, para defender liberdade de expressão
A menção feita pelo governo de Donald Trump a uma eventual resposta militar contra o Brasil é “extremamente preocupante” e que não cria um “clima favorável” para negociação entre os países na avaliação do embaixador Celso Amorim, assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
🔎 A porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, disse na terça-feira (9) que o governo Trump está disposto a “usar meios militares” para “proteger a liberdade de expressão ao redor do mundo” em referência a uma eventual condenação de Jair Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal Federal (STF).
Em entrevista exclusiva à GloboNews, Amorim disse que vê nas declarações uma tentativa ineficaz de pressão sobre o judiciário brasileiro, que julga Bolsonaro e outros sete réus sobre uma tentativa de golpe de Estado.
“Qualquer tentativa é inútil, porque eu acho que o Supremo agirá com independência. Agora, a ligação existe. Foi em resposta a uma pergunta sobre o julgamento. A pergunta era sobre o julgamento e ela respondeu com essas hipóteses absolutamente fora da diplomacia”, afirmou Amorim.
Lula e Celso Amorim durante visita do então presidente da Argentina, Alberto Fernández.
Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores e principal conselheiro de Lula nos temas de política internacional, diz que é difícil distinguir o que é “bravata ou ameaça”.
“Acho que [uma ação militar contra o Brasil] nunca vai acontecer, mas é realmente algo muito preocupante mesmo que seja bravata. É extremamente preocupante. Não ajuda a encontrar solução para as questões. É uma coisa que fica na mente do povo, não cria um clima favorável para qualquer tipo de negociação”, disse.
A fala de Karoline Leavitt na Casa Branca foi em resposta a uma pergunta de Michael Shellenberger, um comunicador considerado aliado de Trump. Ele citou textualmente a possível condenação de Bolsonaro e outros processos no STF ao dirigir o questionamento à porta-voz.
“O que eles consideram liberdade de expressão é a desregulamentação total para as big techs fazerem o que quiserem, desde campanhas políticas até pornografia. Nós também somos a favor da liberdade de expressão, mas em um parâmetro ético razoável. Agora, com relação a ela dizer que não tem medo de usar a força, eu não sei nem se ela estava autorizada a dizer isso exatamente, mas cria um clima, de qualquer maneira, reflete um clima”, analisou o assessor especial de Lula.
O governo brasileiro não descarta que novas sanções sejam impostas pela Casa Branca caso a condenação de Bolsonaro se confirme. Amorim avalia que as medidas seriam improdutivas para a economia norte-americana.
“Nós esperamos que haja respeito à decisão do judiciário brasileiro, que é independente, cujos membros foram nomeados por governos variados. É um julgamento sério, importante, não é um problema menor, é uma ameaça de tentativa de golpe de estado. Espero que a decisão, qualquer que seja, seja respeitada e que não haja tentativa de interferência na Justiça brasileira. Acho que seria improdutivo, até do ponto de vista dos interesses econômicos, mas coisas mais improdutivas e mais improváveis, por vezes, têm ocorrido”, disse o embaixador.
Cooperação militar com a China
O embaixador afirmou ainda que as ações do governo Trump, naturalmente, aproximam o Brasil de outros países, como China, França e “qualquer parceiro que estiver disposto a desenvolver projetos conjuntos”.
👉🏽 Amorim esteve no início do mês em Pequim para acompanhar as celebrações dos 80 anos da vitória do país sobre os japoneses. O evento ficou marcado pela grandiosidade e imponência do desfile militar organizado pelo governo chinês.
O assessor especial de Lula confirma o interesse do governo brasileiro em estabelecer uma cooperação com Pequim na área militar.
“O Brasil está mandando pela primeira vez [para China] um adido do Exército de nivel de general. Só tínhamos nos Estados Unidos. Não sou ministro da Defesa, mas acho que é um sinal de cooperação. Da mesma maneira que há um interesse muito grande na Índia. Não há uma escolha, mas quem viu aquela parada [militar na China] sabe que eles teriam o que oferecer. Mas tem que ser em condições adequadas, de uma maneira que não crie dependência nossa a eles”, declarou Amorim.
Lula e Celso Amorim participam de evento da presidência brasileira do BRICS
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Navios dos EUA perto da Venezuela
Amorim também afirmou que é “inadmissível” a movimentação de navios americanos no mar do Caribe, perto da costa venezuelana.
“Não sei qual é o objetivo dos EUA, mas uma intervenção armada, misturar narcotráfico com terrorismo, juntar isso com chefe de governo [Maduro] é inadmissível, vai contra todos os preceitos das Nações Unidas, da própria OEA e fico temendo que, com o poder de pressão dos EUA, eles acabem aprovando uma resolução num organismo desses. É intolerável qualquer intervenção na América Latina de forma geral e na América do Sul em particular”, afirmou Amorim.
O governo de Donald Trump, nos Estados Unidos, enviou navios de guerra, um submarino e aviões espiões para perto da costa da Venezuela. Oficialmente, autoridades norte-americanas alegam que se trata de uma operação contra o tráfico de drogas. Por outro lado, especialistas afirmam que o aparato militar sugere uma possível intervenção contra o regime de Nicolás Maduro.
Tensão entre Rússia e Otan
Outra crise diplomática e geopolítica que preocupa Amorim é a tensão no Leste Europeu. A Polônia acusou a Rússia de invadir o espaço aéreo do país com drones militares e acionou o artigo do tratado da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que prevê a abertura de consultas para uma possível resposta da entidade.
“Não quero fazer juízo de valor, mas eu acho que tudo isso cria uma crise direta entre a Otan e a Rússia. É algo muito preocupante. Nós vivemos num mundo em que há um nevoeiro, que tem que ser muito atento à paz. Por isso o Brasil propôs, junto com a China, um roteiro para poder haver uma discussão. O diálogo que tem que ser fomentado, é complexo, difícil, não é uma coisa que dependa de um ou dois países. Os Estados Unidos têm influência, mas a China também tem, os Brics também têm”, disse.
O diagnóstico de Amorim é de que o mundo vive o momento mais delicado desde o final da Segunda Guerra Mundial. O embaixador avalia que a situação é mais grave do que a Crise dos Mísseis em Cuba, em 1962, considerado o episódio mais tenso do período da Guerra Fria.
“Vivemos em um mundo muito perigoso. Nunca vi nada como estou vendo agora. Você tem dois conflitos se agravando [no Oriente Médio e no leste europeu], dois conflitos com possibilidade de se transformar numa guerra global, inclusive se tiver uma maneira de misturar os dois. Isso não é uma coisa impensável. É indesejável, mas não é impensável, então temos de trabalhar pela paz, e trabalhar ativamente”, afirmou Amorim.

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