quinta-feira , 6 novembro 2025
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Cade decide se tabela de preços prejudica a concorrência

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) abriu uma consulta pública para a criação do Guia de Análise do Tabelamento de Preços. O guia pode mudar a forma como o órgão interpreta o uso de tabelas de preços por empresas e entidades de classe.

Hoje essas referências são aceitas quando têm caráter apenas orientativo, mas o novo texto propõe que, em certos casos, a divulgação de valores sugeridos já configure prática anticoncorrencial.

Segundo Ricardo Inglez de Souza, advogado especialista em Direito Econômico e Concorrencial, a medida deve afetar setores que tradicionalmente adotam tabelas de referência — como o imobiliário, portuário, de saúde, educação, transporte, advocacia, contabilidade e serviços técnicos especializados.

“O tabelamento de preços já foi prática oficial do governo no passado, mas as autoridades de concorrência do mundo inteiro o veem com desconfiança. O prejuízo ao consumidor é a principal preocupação”, diz Inglez.

Professor titular de Economia na USP, Claudio Lucinda também vê a prática com desconfiança. “Do jeito definido ali na consulta pública, [as tabelas de preço] são, de fato, um mecanismo pelo qual você incentiva a conduta coordenada entre os competidores e, por isso, colocam um risco à concorrência”, avalia.

O que o Cade quer definir com o novo guia

De acordo com o Cade, é importante que os agentes econômicos, a administração pública e os consumidores tomem decisões informadas e compatíveis com mercados saudáveis, fortalecendo o combate a condutas anticompetitivas. Daí a necessidade de produzir guia – que leva o nome de Guia de Análise de Prática de Influência de Conduta Comercial Uniforme Consubstanciada em Tabelas de Preços e/ou Outros Instrumentos Assemelhados (confira o texto completo).

Ao se referir a “tabelas de preços”, o guia trata das práticas — conforme descritas no direito concorrencial — das quais as empresas se valem para “promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes”. No art. 36 da Lei nº 12.529/2011, do Sistema Brasileiro de Concorrência, tais práticas são caracterizadas como “infração à ordem econômica”.

Estão inseridas nesse rol a adoção de tabelas de preços utilizadas em diversos setores, como saúde, imobiliário, portuário, transporte rodoviário, comércio varejista de derivados de petróleo, entre outros.

De acordo com Claudio Lucinda, isso ocorre quando as informações deixam de ser compartilhadas — tanto interna quanto externamente — e acabam por distorcer a lógica do livre mercado.

Por exemplo, ao pesquisar os preços de um determinado item na internet, o consumidor tem a visão dos preços praticados em diferentes lojas. A informação está disponibilizada em grande quantidade.

Porém, quanto mais internalizada for essa informação — como ocorre com uma lista de preços recomendados para serviços, feita por uma associação de classe e distribuída para os associados, por exemplo —, fica mais difícil compreender a justificativa de por que isso seria bom, em consonância com a visão do Cade.

Segundo Ricardo Inglez, o tema não é simples e depende muito do contexto em que está inserido. Na opinião do jurista, a preocupação do Cade é legítima e está relacionada com a combinação de preços entre empresas concorrentes. “Normalmente, as tabelas são fixadas por entidades que congregam concorrentes. Por isso, a preocupação”, afirma.

Tabelas de preço podem desincentivar a inovação

Outro ponto destacado pelo Cade em seu guia é que as tabelas de preço podem desincentivar a inovação, o aumento da qualidade de produtos e serviços e a realização de investimentos. Isso ocorre na medida em que o tabelamento interfere na livre concorrência e uniformiza as condições comerciais.

Assim, ao criar uma uniformidade concorrencial, o tabelamento acaba por desincentivar a busca por melhorias e a realização de investimentos destinados a diferenciar e aprimorar os produtos ou serviços. A qualidade também é afetada, já que, com a concorrência nivelada, as empresas deixam de ter — ou têm menos — incentivos para aprimorar seus produtos.

Segundo o Cade, há atualmente mais de 100 investigações abertas sobre práticas nas quais as tabelas podem ter sido utilizadas de modo a interferir na liberdade de formação de preços – o que, muitas vezes, resultou na cobrança de valores mais altos do que os que seriam cobrados sob livre concorrência. Segundo o órgão, o número expressivo de casos relacionados a essa conduta comercial uniforme trouxe a necessidade da elaboração do guia.

No entanto, não se pode generalizar o uso de tabelas, pois há várias situações em que o próprio governo trabalha com preços tabelados, conforme lembra Ricardo Inglez. “Os medicamentos e procedimentos médicos comercializados nas redes públicas têm um custo tabelado pelo governo”, afirma.

Nesses casos, o jurista afirma que o processo de tabelamento passa pela consulta ao mercado. Há também entidades privadas que se organizam em forma de cooperativas e funcionam como se fossem franquias, oferecendo uniformidade de condições aos seus usuários ou consumidores.

“É preciso tomar cuidado para não cair na ansiedade de proibir tudo e em qualquer circunstância. Essa consulta do Cade ajudará a jogar luz sobre o tema e, se for bem-sucedida, orientará a sociedade para que seja possível identificar quando há risco concorrencial”, afirma o jurista.

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