A prorrogação do lançamento do Drex de 2025 para 2026, e em versão menos abrangente, colocou por terra expectativas criadas em torno do chamado “real digital”.
Na visão de especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a decisão, anunciada em agosto pelo presidente do BC, Gabriel Galípolo, demonstra cautela diante de possíveis riscos tecnológicos para a iniciativa, além da pressão popular contrária ao real digital.
Além de anunciar o lançamento para 2026, Galípolo ainda disse que o Drex já não terá a tecnologia blockchain e nem a tokenização. Não haverá acesso ao público, portanto. Com isso, o real digital deixa de ser o projeto abrangente, de uma moeda digital usada no dia a dia, para ser uma solução dos bastidores bancários.
De acordo com o Banco Central, o Drex servirá como mecanismo de “reconciliação de gravames”. Ou seja, ele irá verificar se ativos usados como garantia em operações de crédito já estão vinculados a outros compromissos.
De acordo com o Banco Central, o adiamento reflete uma mudança estratégica: de uma proposta voltada à inovação e ao uso direto pelo cidadão, o Drex passa a ser uma aplicação restrita ao sistema financeiro institucional.
Não está claro se o BC tentará mais adiante ampliar o escopo do Drex. Por ora, o que a autoridade monetária afirma é que outras utilidades continuarão sendo desenvolvidas, sem prazo definido para lançamento.
O coordenador do MBA de Gestão Financeira da FGV, Ricardo Teixeira, afirma que o Brasil está partindo na frente no caso do Drex e que, como todo desbravador, enfrenta problemas.
“Pela população, pelo volume da economia, a tecnologia do Drex precisa ser uma coisa testada e retestada. Talvez não devessem ter criado a expectativa mais ampla”, disse.
Drex teve incompatibilidade entre tecnologia e parâmetros de segurança
Pedro Magalhães, empreendedor e criador da fintech Pixley, afirma que, no início, o projeto do Drex visava acompanhar as inovações do setor financeiro, especialmente o crescimento das finanças descentralizadas.
“Contudo, unir os rígidos requisitos legais de compliance e controle do Banco Central com uma tecnologia originalmente criada para operar de forma descentralizada, fora do alcance de instituições centrais, revelou-se uma tarefa extremamente desafiadora”, afirma.
Apesar de avanços em soluções de privacidade, as alternativas encontradas para o Drex ainda não atendem plenamente aos padrões de segurança, privacidade e rastreabilidade exigidos pelas autoridades monetárias.
Críticas levaram a mudança de rota
Segundo a deputada Júlia Zanatta (PL-SC), o adiamento não pode ser visto apenas como uma medida técnica, mas como um reflexo da pressão popular crescente e das iniciativas apresentadas no Congresso Nacional e que visam delimitar o Drex.
A parlamentar é autora do PL 3341/2024, que proíbe a extinção do papel-moeda e de uma PEC que exige aprovação qualificada para qualquer criação de CBDC. “Cada tempo que conquistamos para discutir é uma vitória”, afirmou.
Zanatta foi uma das principais vozes que criticou o real digital, alertando que o modelo adotado para o Drex, totalmente centralizado no Banco Central, trazia o risco de controle financeiro total do cidadão, bem como a extinção da moeda física.
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Ataque hacker pode ter contribuído para recuo no Drex
Victor Valente, advogado e presidente da Comissão de Blockchain e Criptoativos da OAB/Niterói, ainda afirma que o ataque hacker — que desviou mais de R$ 1 bilhão de instituições financeiras no início de julho — pode ter sido uma das razões para o recuo do Banco Central no uso do blockchain para a estrutura do Drex. Outro ataque do tipo foi registrado dias atrás.
O blockchain e os contratos inteligentes são tecnologias relativamente novas e ainda há poucos profissionais com experiência comprovada no Brasil e no resto do mundo. Há conhecimentos técnicos avançados sobre os riscos, problemas e golpes que podem acontecer, que diferem daqueles exigidos para atuação no sistema financeiro e bancário tradicionais.
“Tendo isso em vista, talvez os responsáveis pelo projeto tenham se dado conta de que, enquanto agentes públicos, poderiam ser responsabilizados civil, penal e administrativamente pela contratação imperita de uma tecnologia de que não possuem conhecimentos adequados”, afirma.
Se considerados os altos valores envolvidos nesses contratos — bem como a amplitude de possíveis fraudes — e que os riscos podem chegar ao nível de paralisação, captura ou até mesmo esvaziamento dos cofres públicos por agentes maliciosos mais experientes, Victor avalia que a decisão do Banco Central foi acertada, visto que novos ataques acontecem quase que semanalmente no mercado aberto.
Riscos de controle permanecem
No entanto, nem todos os riscos de controle financeiro vislumbrados na versão mais elaborada do Drex foram excluídos. Segundo Valente, mesmo com a redução no escopo do real digital, a principal crítica se mantém: a falta de transparência.
Ele afirma que o modelo de Drex que vinha sendo apresentado não era claro quanto a seus reais objetivos, além de estar sendo debatido quase que exclusivamente por poucos agentes de mercado.
Ricardo Teixeira, da FGV, também afirma que os riscos seguem, já que, mesmo com o recuo do BC, o modelo do Drex continua centralizado e com a possibilidade total de rastreabilidade – ou seja, todo o histórico de transações da pessoa será verificável.
Ainda que o Banco Central crie barreiras, ele afirma que sempre haverá aqueles que buscam superá-las e que é fundamental que se avance na legislação a fim de salvaguardar os direitos dos usuários.
O que é o Drex
O Drex é uma CBDC, sigla em inglês para Central Bank Digital Currency — que significa “moeda digital emitida por um banco central”. As projeções iniciais para o lançamento em 2025 previam que o real digital fosse desenvolvido com tecnologia blockchain — a exemplo de algumas criptomoedas, como o Bitcoin e o Ethereum.
Além disso, a previsão era de que o Drex pudesse ser utilizado para fazer várias transações financeiras de ativos digitais e contratos inteligentes, intermediadas pelos bancos privados autorizados pelo BC a realizar essas operações.
Diferentemente de outras criptomoedas, Drex não prevê descentralização
O Banco Central utilizaria a Tecnologia de Registro Distribuído (Distributed Ledge Technology ou DLT na sigla em inglês). A DLT é uma tecnologia blockchain que permite registrar quaisquer transações e informações de forma compartilhada por participantes da rede, ou seja, descentralizada.
Por essa razão, o registro digital permite o armazenamento de dados de forma segura, transparente e imutável. Ocorre que, na proposta original do Drex, o modelo não seria descentralizado, mas centralizado, sob o comando do Banco Central. Além disso, permitia criação e extinção de ativos, congelamento de carteiras, entre outras funcionalidades.
Adiamento e abandono de blockchain não foram surpresas
De acordo com Pedro Magalhães, da Pixley, a incompatibilidade conceitual entre a proposta centralizada do BC para o Drex e a opção por tecnologias de blockchain descentralizadas foi uma das principais razões das dificuldades técnicas e regulatórias da implementação do blockchain na infraestrutura do Drex.
Ele diz não ter se surpreendido com as mudanças realizadas pelo Banco Central. No entanto, o empreendedor destaca que houve diversas empresas que desenvolveram produtos com base no modelo de Drex anunciado pelo BC. Agora, terão que redirecionar esses produtos e investimentos.
Novo Drex também não terá tokenização de ativos
A versão do Drex prevista para 2025 ainda previa a digitalização dos ativos, criando um token, ou uma versão digital, desse bem. No caso do dinheiro, o real tokenizado teria o mesmo valor da moeda física: um drex equivaleria a um real. Assim, os clientes poderiam transformar seus ativos em uma carteira digital em Drex.
Essa funcionalidade também foi excluída para o lançamento do Drex no próximo ano. Os contratos inteligentes, possíveis com a tokenização dos ativos, também foram indefinidamente adiados.