Proteger o filho de 2 anos e evitar uma tragédia na escola no Distrito Federal foram os argumentos apresentados por um advogado para justificar uma denúncia de lesão corporal contra um colega de sala da criança, da mesma idade.
O Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) condenou o advogado a indenizar a família do menino de 2 anos denunciado por ele por lesão corporal contra seu filho. Cabe recurso.
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O filho do advogado teria sido agredido pelo colega diversas vezes. Para acabar com isso, o pai da criança registrou denúncia na Polícia Civil (PCDF) e no Conselho Tutelar.
Entenda o caso:
- Ao registrar ocorrência digital contra a criança pelo crime de lesão corporal, o advogado não informou a idade do denunciado
- No BO, ele definiu o menino de 2 anos como “algoz contumaz”.
- Ao ser informada pela PCDF sobre o caso, a mãe da criança acusada entrou na Justiça e pediu uma indenização.
- A juíza Márcia Regina Araújo Lima, da 3ª Vara Cível de Águas Claras, acolheu o pedido, determinou o pagamento de R$ 4 mil por danos morais e considerou a denúncia “abusiva”.
“A condenação não decorre de ofensas, mas sim do fato de que o pai, exausto diante das constantes agressões sofridas por seu filho de apenas 2 anos de idade no ambiente escolar, decidiu agir em defesa da integridade física e emocional da criança. O que não esperava era ser, por isso, penalizado”, afirmou o advogado, em nota.
Sem ofensas
O pai do menino agredido argumentou ter relatado os fatos às autoridades com termos técnicos e jurídicos compatíveis com o ofício, sem, em momento algum, imputar categoricamente crimes ou qualificações ofensivas.
Segundo o advogado, os episódios relatados ficaram comprovados com filmagens, áudios e declarações de outros pais em situação semelhante.
Ele citou, por exemplo, o caso do homem que agrediu um menino de 4 anos durante uma festa junina escolar em Vicente Pires, no Distrito Federal, em junho deste ano.
“Antes de qualquer iniciativa legal, busquei reiteradamente auxílio da escola e dos profissionais responsáveis, sempre com uma postura de confiança nas instituições e de tentativa de resolução pacífica, com único objetivo de evitar tragédias como a recentemente noticiada pela mídia nacional, na qual uma criança foi brutalmente agredida em pleno palco escolar”, completou.
No caso de Vicente Pires, o agressor, que é pai de outro garoto, afirmou que sua reação “foi motivada por meses de omissão da escola diante de casos de bullying sofridos por seu filho”.
O advogado disse ainda que vai recorrer da decisão, pois os mesmos fatos foram analisados em outras esferas, “administrativa e criminal”. E neles acabou absolvido. “Justamente porque a conduta foi reconhecida como mero exercício regular de direito”, concluiu.
Mãe se diz aliviada
Em entrevista à reportagem, a mãe do menino denunciado disse que ficou aliviada com a sentença, a qual definiu como “pedagógica”.
“Espero que esse pai compreenda os excessos e abusos que cometeu. E que outros pais compreendam que não podem usar de violência para ofender outras crianças. Quando um menino de 2 anos é levado para o âmbito policial, algo está errado”, afirmou a mãe.
“Nossas crianças precisam de compreensão e acolhimento”, completou.
A mãe rebateu o argumento apresentado pelo advogado de que ele teria a procurado para solucionar o problema. “Ele nunca tentou contato comigo ou com o meu marido. Nunca. Gostaria muito que ele tivesse nos procurado e evitado tudo isso”, pontuou.
Ela confirma as agressões do menino, mas considera que o denunciante poderia ter assumido outra postura. “Crianças de 2 anos batem, mordem, puxam cabelo. Isso acontece. Meu filho, em diferentes ocasiões, machucou um coleguinha e apanhou também. Essas coisas acontecem porque uma pessoa dessa idade ainda não tem maturidade para lidar com frustrações, brinquedos compartilhados”, exemplificou.
A mãe contou, ainda, que ela e o advogado estavam presentes em um momento que o filho dela bateu no colega. “Então, eu me abaixei, falei com meu filho e me desculpei tanto com o menininho quanto com o pai dele.”
“Quando tive na mão o boletim de ocorrência de lesão corporal cometida por um bebê de 2 anos, fiquei em choque. Isso causou muitos danos à minha família. Meu marido e eu ficamos transtornados. As crianças são muito sensíveis, e meu filho percebeu a mudança. Na escola, dividiram a turma, e ele sentiu, teve mudança de comportamento, passou muitas noites chorando, teve terror noturno”, lamentou.
Credibilidade da Justiça
Na avaliação da advogada da família da criança denunciada, Isa Ranieri Batista, a sentença foi cirúrgica, importante e educativa. “Ela serve como exemplo e incentiva o diálogo entre os pais, principalmente no ambiente escolar. Existem vários meios de tratar conflitos infantis. E, sem dúvidas, o mais adequado não é a polícia”, ressaltou.
A advogada orienta sobre a necessidades de tentar todas as vias disponíveis antes de se recorrer à polícia, por exemplo. “Sabemos que eles tratam de crimes graves, que afetam diretamente as integridades física e psicológica das pessoas. E, neste caso, falamos de crianças”, enfatizou Isa.