terça-feira , 30 dezembro 2025
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incerteza e fim das “setas”

Com o fim dos mandatos dos dois últimos diretores indicados na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 31 de dezembro de 2025, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deverá ter, pela primeira vez, indicado toda a diretoria da autoridade monetária. O cenário para o Banco Central em 2026 desenha-se sob forte neblina.

Dois fatores criam um ambiente de incerteza: a saída de diretores técnicos experientes, sem substitutos definidos, e a nova postura do presidente Gabriel Galípolo, que anunciou o fim da prática de sinalizar os próximos passos da política de juros nas atas do Copom — as chamadas “setas”.

Para o investidor e o empresário, que dependem de previsibilidade para alocar capital, a mensagem é de cautela: a caixa-preta do BC está se fechando. Esse atraso nas nomeações para o Banco Central reflete uma prática que se tornou comum no terceiro mandato do presidente Lula: a demora em indicar executivos para órgãos reguladores.

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O centro da incerteza atual está na saída de dois pilares da credibilidade técnica do BC: Diogo Guillen, diretor de Política Econômica, e Renato Gomes, diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução. A área comandada por Gomes cuida, entre outras funções, do Pix.

Não se trata apenas de uma troca de cadeiras. Guillen e Gomes são descritos por analistas do BTG Pactual Asset Management como excelentes economistas que tiveram papel fundamental na consolidação das regras de política monetária e regulação nos últimos quatro anos. A falta de nomeações no prazo certo gera desconfiança no mercado, que funciona à base de confiança.

A preocupação é prática. Diogo Guillen, por exemplo, era o responsável pela redação das atas e comunicados do Copom — documentos que orientam as expectativas do mercado sobre os rumos da taxa básica de juros (Selic). Sua saída levanta dúvidas sobre a coerência e o estilo futuros.

“Talvez deva haver um cuidado especial para, no português ou no estilo, manter uma coerência”, alerta a análise do BTG Pactual Asset Management. A gestora ressalta que, embora o BC seja sólido, a transição sem nomes definidos tira uma camada de segurança.

A demora na nomeação empurra a sabatina dos novos diretores no Senado provavelmente para depois do carnaval de 2026. Até lá, o Comitê de Política Monetária (Copom) funcionará incompleto ou com interinos — justamente quando se discute o início dos cortes da Selic.

A última vez que isso ocorreu foi em março de 2024, quando apenas sete dos nove membros participaram. Para um mercado avesso a riscos, esse vácuo sinaliza dificuldade política ou, pior, prenúncio de nomes menos comprometidos com o rigor técnico.

Sem as “setas” de Gabriel Galípolo: a nova era de silêncio do Banco Central

Se a composição da diretoria gera questionamentos, a nova postura do presidente do BC, Gabriel Galípolo, complica ainda mais a leitura do cenário. Em declaração recente, Galípolo foi categórico ao declarar o fim da prática de sinalizar os próximos passos da política de juros.

“Não sei se a gente tem alguma obrigação de criar algum tipo de código dentro da comunicação do Banco Central que vá telegrafar quando o Banco Central vai fazer algo”, afirmou Galípolo no início de dezembro.

A autarquia ganha liberdade para agir conforme os dados. Segundo Luiz Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners, sem a obrigação de avisar antes, o Copom “poderá reduzir os juros na reunião de janeiro ou depois, mesmo que não altere a comunicação”, sem ser acusado de contradição.

No entanto, para o mercado, o fim das setas significa navegar sem radar. A previsibilidade — essencial para calcular preços de ativos e planejar investimentos — diminui.

“Vai ficar mais difícil antecipar os próximos passos sem elas [as setas]”, destaca Leal. A decisão sobre quando começar a cortar os juros, se em janeiro ou março de 2026, torna-se mais arte do que técnica – para usar a célebre definição do ex-vice do Fed Alan Blinder, segundo a qual a política monetária depende mais de julgamento do que de ciência exata. Isso aumenta a volatilidade nos juros futuros.

A solução do mercado: algoritmos para ler a mente de Gabriel Galípolo

Diante da falta de clareza e de sinais explícitos, os grandes bancos estão recorrendo à tecnologia para tentar ler as entrelinhas do Banco Central. O “olhômetro” dos economistas está dando lugar a algoritmos.

O Itaú, por exemplo, desenvolveu uma ferramenta baseada em inteligência artificial. O sistema analisa milhares de frases de documentos oficiais do BC, classificando-as como:

  • Favoráveis a juros altos;
  • Favoráveis a juros baixos;
  • Neutras.

Atualmente, a ferramenta sugere um tom mais brando na comunicação recente, embora ainda favorável a juros elevados. Que o mercado precise recorrer a robôs para interpretar a autoridade monetária evidencia a complexidade do novo discurso.

Inflação desancorada, eleição à vista — e um Banco Central silencioso

Essa opacidade na comunicação do BC se agrava em um momento delicado. O cenário externo também é instável, com o Federal Reserve (Fed) nos EUA mudando de postura rapidamente e gerando incerteza sobre até onde os juros americanos vão subir, destaca Thiago Berriel, estrategista-chefe da BTG Pactual Asset Management.

Internamente, a economia brasileira dá sinais contraditórios que exigiriam uma condução técnica impecável:

  • Lado positivo: A inflação corrente mostra melhora e o PIB desacelerou para 0,1% no terceiro trimestre de 2025, o que justificaria cortes de juros.
  • Lado negativo: A inflação de serviços continua pressionada pelo mercado de trabalho aquecido, e as expectativas de inflação para 2025 e 2026 seguem desancoradas da meta do BC.

A XP Investimentos alerta que, para iniciar os cortes, o Copom precisa tirar de suas mensagens trechos rígidos como “período bastante prolongado”, tornando-se dependente de dados. Sem os diretores que ajudaram a escrever essas regras e sob um comando que recusa telegrafar movimentos, o risco de interpretações erradas pelo mercado aumenta, elevando os custos dos juros.

Quem vai pagar a conta da incerteza

A autonomia do Banco Central exige rigor técnico e confiança do mercado. A partir de janeiro de 2026, com uma diretoria inteiramente indicada pelo presidente Lula, a saída de nomes como Guillen e Gomes — sem reposição imediata —, somada à recusa explícita de sinalizar passos futuros cria um vácuo. Nem mesmo a inteligência artificial consegue preenchê-lo.

Para 2026, o investidor deve se preparar para um BC mais imprevisível. Se a arte da política monetária se sobrepuser à técnica e à comunicação transparente, o custo dessa incerteza será pago por quem produz e investe no Brasil.

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