segunda-feira , 4 agosto 2025
Lar Economia Tarifaço afugenta estrangeiros e Bolsa perde R$ 6 bi em um mês
Economia

Tarifaço afugenta estrangeiros e Bolsa perde R$ 6 bi em um mês

O tarifaço anunciado por Donald Trump, com a imposição de uma alíquota de 50% sobre produtos brasileiros, provocou a reversão do fluxo de capital estrangeiro na B3, a bolsa brasileira. Com isso, o mês passado foi o pior julho em quatro anos.

A retirada líquida dos investidores estrangeiros somou R$ 6,3 bilhões, abaixo apenas dos R$ 8,25 bilhões negativos registrados em julho de 2021. A inversão de tendência ocorreu a partir de 9 de julho, com o anúncio da taxação em carta de Trump ao presidente Lula.

Os números contrastam com o cenário positivo do primeiro semestre, quando a B3 havia recebido R$ 26,4 bilhões em aportes estrangeiros, o maior fluxo registrado para o período nos últimos três anos. A entrada líquida de recursos impulsionou uma valorização de 15,4% do Ibovespa, o melhor desempenho semestral desde 2016.

O movimento do primeiro semestre contribuiu para recuperar parte da saída de R$ 24 bilhões da B3 registrada no segundo semestre do ano passado, que fez o dólar disparar e atingir a cotação recorde de R$ 6,35 em 19 de dezembro, fruto da incerteza política e fiscal. Com a saída de julho, o saldo parcial de 2025 ainda é positivo, de R$ 20,6 bilhões, mas segue sem compensar a debandada de 2024.

Aversão ao risco faz estrangeiro tirar dinheiro da Bolsa

Para analistas, a fuga dos investidores é um movimento natural de aversão ao risco. “A saída líquida de capital estrangeiro da B3 em julho reflete um movimento de aversão ao risco diante da crescente incerteza global, agravada pelas declarações protecionistas de Donald Trump e pela escalada das tensões comerciais entre Brasil e EUA”, afirma Carlos Braga Monteiro, CEO do Grupo Studio.

“Investidores tendem a reduzir a exposição em mercados emergentes quando o cenário externo se torna volátil, e o Brasil, com seus desafios fiscais e ruídos institucionais, acaba sendo penalizado”, completa Monteiro.

A perspectiva é de que a tendência se acentue com a confirmação, na última quarta-feira (30), da ordem executiva do governo americano para o aumento das tarifas. Apesar da lista de quase 700 exceções, o Brasil continua sendo o país mais afetado pela política tarifária americana.

“É um momento de muita cautela no mercado global, e o impacto do tarifaço anunciado pelo governo Trump mostra isso com clareza”, avalia Pedro Ros, CEO da Referência Capital.

VEJA TAMBÉM:

  • Fernando Jasper: Brasil de Lula e Moraes é o adversário ideal de Trump. E o jogo está longe de acabar

  • Setor de carne bovina, um dos principais produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos, está entre os que não escaparam do tarifaço no agro

    Agro é o setor mais prejudicado pelo tarifaço de Trump

Juros americanos são atraentes para investidor

Para Rodrigo Miotto, da Nippur Finance, o tarifaço contribuiu para a manutenção do aperto monetário. A taxa básica de juros (Selic) segue em 15% ao ano, como anunciou o Banco Central na última quarta-feira (30), em um contexto de inflação ainda pressionada e baixo crescimento. “O cenário afeta principalmente empresas endividadas, reduzindo o apetite por ações e o valor de mercado das companhias listadas na B3”, diz.

Apesar da alta Selic, o diferencial de juros entre Brasil e EUA — que antes favorecia o país — perdeu força como atrativo. “A reversão pode estar acontecendo porque o Banco Central já sinalizou o fim do ciclo de alta”, explica. “E o Federal Reserve [Fed, banco central americano] se mostrou resistente a cortar os juros por lá, o que sustenta a atratividade dos títulos americanos.”

Na quarta-feira, o Fed manteve, pelo quinto encontro consecutivo, as taxas entre 4,25% e 4,5% ao ano. Para Miotto, ruídos políticos, como a discussão sobre uma eventual interferência de Trump nos juros, elevam o grau de incerteza e volatilidade.

O CME FedWatch – ferramenta que permite ao mercado acompanhar as expectativas de variação da taxa americana – aponta a probabilidade de 60% a 64% de corte de 0,25 ponto já em setembro, com a chance aumentando gradualmente até quase 90% ao fim de 2025. Em tese, esse cenário poderia favorecer a bolsa brasileira.

Embate tarifário e questão fiscal estão no radar

Para os analistas, além da sinalização da política monetária nos EUA, a expectativa para os próximos meses dependerá diretamente da evolução do embate tarifário. “[Vai depender] da capacidade do governo brasileiro de preservar credibilidade e previsibilidade”, afirma Carlos Braga Monteiro.

“Em momentos como este, observa-se maior seletividade por parte dos investidores, com preferência por setores resilientes, empresas com boa governança e exposição ao mercado interno”, acrescenta.

A cautela do investidor também está ligada à questão fiscal brasileira. “Se não houver uma medida séria e real por parte do governo para cortar gastos e assumir um compromisso com o cumprimento da meta fiscal — e, ao final do período, apresentar um déficit —, o investidor tende a realizar lucros e sair do Brasil”, acrescenta Miotto.

Analistas veem oportunidades, mas investidor estrangeiro é volátil

Apesar da deterioração do cenário de curto prazo, algumas casas ainda veem espaço para retomada. O Bradesco BBI, por exemplo, mantém o Brasil como principal escolha na América Latina, avaliando que os ativos brasileiros estão entre os mais baratos do mundo.

“A turbulência política dos EUA pode causar volatilidade, sim, mas também pode reposicionar o Brasil como um porto atrativo para capital global, desde que a gente preserve estabilidade institucional e clareza nas regras”, afirma Ros.

“É nesses momentos que surgem oportunidades. O investidor internacional costuma reagir no curto prazo, mas quem conhece o mercado local reconhece a solidez dos fundamentos brasileiros”, diz.

A expectativa é de que o Ibovespa possa engatar um novo rali no segundo semestre, impulsionado pela antecipação do ciclo de afrouxamento monetário e pela aproximação das eleições presidenciais de 2026.

Miotto lembra, no entanto, que o investimento estrangeiro em bolsa é meramente especulativo. “Assim como ele vem rápido, ele também sai rápido”, diz. “A reversão neste momento é natural.”

Murilo Viana, analista de contas públicas, alerta que é preciso atentar para os impactos que vão além da Bolsa. “Mais do que a Bolsa, o foco deve estar no investimento produtivo”, afirma. “Nós temos uma relação muito forte com os Estados Unidos e a Europa nesse campo. Uma escalada na relação com os EUA pode resvalar nos fluxos de investimento direto externo também.”

Artigos relacionados

O que Raízen quer com a venda de usinas de cana-de-açúcar

A Raízen, joint-venture de energia entre a Cosan e a Shell, está...

Isenções do tarifaço de Trump aprofundam desigualdade no Brasil

O tarifaço de Donald Trump às importações de produtos brasileiros, que entra...

China autoriza importação de café de 183 empresas brasileiras

A China aprovou a habilitação de 183 novas empresas para exportação de...

TCU revela R$ 4,4 bilhões em pagamentos indevidos do INSS a pessoas já falecidas

Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) revelou o pagamento...