Preocupação para a maioria dos exportadores e um pouco de alívio para o restante. Essa foi a forma como muitas empresas encararam o detalhamento das tarifas anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre os produtos importados do Brasil.
A ordem executiva assinada pelo republicano na quarta (30) vai atingir 56,6% das exportações brasileiras para os EUA, segundo cálculos da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil), baseados em dados da Comissão de Comércio Internacional dos Estados Unidos (USITC, na sigla em inglês).
“É uma medida bastante prejudicial para o exportador brasileiro, que perde competitividade no mercado americano”, diz Rodrigo Barreto, professor de administração do Centro Universitário FEI.
Mesmo com a lista de isenções, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) manifestou grande preocupação, apontando que a taxação da maioria das exportações brasileiras para os Estados Unidos compromete cadeias produtivas, reduz a produção e ameaça empregos e investimentos de longo prazo.
O Bradesco refez os cálculos sobre os efeitos do tarifaço de Trump na balança comercial. As simulações iniciais indicavam um impacto máximo de até US$ 15 bilhões na balança comercial brasileira em 12 meses, caso a tarifa de 50% fosse aplicada linearmente (exceto petróleo). Agora a estimativa de impacto máximo passou para US$ 9,4 bilhões, com a ressalva de que as simulações não consideram o redirecionamento de exportações para novos mercados ou a absorção de custos pelos exportadores.
Outro estudo feito pelo banco Daycoval aponta que o impacto negativo estimado das tarifas sobre o PIB brasileiro caiu de 0,3 ponto percentual para 0,13 ponto percentual, devido ao aumento do número de itens isentos.
Os grandes perdedores: onde a mão americana pesa mais
O tarifaço impõe um ônus significativo a diversos setores da indústria brasileira, especialmente grande parte do agronegócio e aqueles com maior valor agregado. Segundo a Amcham Brasil, 59% dos exportadores brasileiros apontam que a sobretaxa causará interrupção total ou queda acentuada nas exportações para os Estados Unidos.
Hugo Garbe, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, observa que os produtos sob tarifação expõem o protecionismo seletivo americano, destinado a preservar setores internos sensíveis, especialmente em ano eleitoral. As principais cidades americanas escolherão seus prefeitos; uma série de cargos estaduais estarão em disputa, incluindo os governos de Nova Jersey e Virgínia, e quatro vagas na Câmara de Representantes.
Permanecem taxados produtos como carne bovina e pescados – áreas onde os EUA possuem produção doméstica forte, lobby estruturado e enfrentam o Brasil como concorrente direto.
“O objetivo aqui não é suprir, mas proteger. Não há dependência crítica, há competição. Trump, como estrategista político, sabe que defender o produtor americano, mesmo gerando tensões comerciais, garante votos em estados-chave como Texas, Iowa e Flórida.”
Carne bovina: competitividade inviabilizada e risco de desabastecimento futuro
A dependência do mercado americano pelas carnes bovinas brasileiras, que superaram US$ 1 bilhão em exportações no primeiro semestre de 2025, não foi suficiente para garantir um imposto menor sobre as importações. Essa situação pode trazer impactos profundos aos exportadores brasileiros e à competitividade e estabilidade de preços no mercado norte-americano, aponta a Associação Brasileira da Indústria da Alimentação (Abia).
Os frigoríficos de carne bovina que exportam para os Estados Unidos serão os mais afetados. Com uma tarifa total de 74%, a exportação de carne bovina torna-se economicamente inviável, diz Roberto Simioni, economista-chefe da Blue3 Investimentos.
O resultado imediato é o redirecionamento da produção para o mercado doméstico brasileiro, o que aumenta a oferta e causa uma queda pontual nos preços. No entanto, a longo prazo, essa inviabilidade exportadora pode levar à redução do abate de fêmeas, diminuindo a oferta futura e impulsionando os preços novamente.
Regiões como Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Tocantins, polos da pecuária, são diretamente afetadas, assim como gigantes do setor, como JBS e Marfrig. A capacidade delas em diversificar suas operações e buscar mercados como China, Ásia e Oriente Médio será crucial para mitigar as perdas.
Peixes: águas revoltas com mais tarifas nos EUA
O setor de piscicultura, especialmente a produção de tilápia, é altamente vulnerável devido à sua forte dependência do mercado americano. A paralisação das exportações de tilápia para os EUA criará um excesso de oferta doméstica, derrubando os preços.
A principal produtora, a GeneSeas, sediada em São Paulo, deve ser uma das empresas mais afetadas com a taxação. Entre as listadas em bolsa, os maiores efeitos devem ser sentidos pela BRF. Ela tem operações de pescados, e pode ser indiretamente afetada por pressão de preços no mercado interno. “O impacto será marginal, já que a maior parte de sua receita vem de frangos e suínos”, diz Simioni.
Minério de ferro e metais básicos: empresas serão forçadas a buscar novos mercados
O setor de mineração também está na linha de frente do choque. Tarifas de 50% sobre o minério de ferro e outras alíquotas sobre metais básicos inviabilizam economicamente as vendas para os EUA.
A Vale, embora tenha a China como principal mercado, possui exposição significativa ao mercado global de minério de ferro, cobre e níquel, e os EUA são um cliente relevante. A medida forçará a empresa a redirecionar sua produção, aumentando a competição e pressionando preços e margens em escala global.
Já a CSN Mineração será afetada por tarifas sobre produtos semiacabados. Segundo Simioni, isso levará a um excesso de oferta no mercado interno e à pressão sobre as margens de lucro.
Açúcar: exportações podem ser inviabilizadas
O Brasil, maior produtor e exportador global de açúcar, pode ver suas exportações para os EUA inviabilizadas pelo tarifaço. Cosan e São Martinho, grandes players, serão diretamente expostas, forçando-as a buscar outros mercados, como Ásia e Oriente Médio, onde a concorrência é acirrada e os preços podem ser menores, impactando a rentabilidade.
Autopeças: risco de perda de receita com tarifas de Trump ao Brasil
A imposição de tarifas sobre autopeças e componentes brasileiros torna as exportações para os EUA não competitivas, ressalta o economista da Blue3. As peças para veículos leves serão taxadas em 27,5% e peças para tratores, máquinas agrícolas e caminões acima de cinco toneladas vão ter uma alíquota de 52,5%, destaca o Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças).
Grandes fornecedoras, como as gaúcha Fras-le e Iochpe-Maxion, podem experimentar uma perda de receita e margem de lucro. A pressão para redirecionar a produção pode gerar um excesso de oferta em outros mercados, pressionando os preços globais.
Os EUA são o segundo maior destino para a exportação de autopeças, atrás apenas da China. As exportações no primeiro semestre foram de US$ 632,3 milhões, 4,9% abaixo do mesmo período do ano passado.
Apesar de o Brasil não ser um grande exportador de veículos montados para os EUA, as tarifas sobre veículos de outros países podem gerar um risco de desvio de produção, afetando indiretamente a indústria brasileira e sua cadeia de suprimentos. A capacidade de diversificação e investimento em inovação será crucial para a resiliência dessas empresas.
Máquinas e equipamentos: retração do principal mercado para exportadoras
Outro segmento que pode ter seus negócios inviabilizados é o de máquinas e equipamentos. Simioni avalia que empresas como as catarinenses WEG e Tupy e a gaúcha Randon devem ser as mais expostas ao tarifaço, podendo enfrentar perda de receita e margem.
O caminho natural dessas companhias será o de redirecionar a produção para outros mercados, o que pode pressionar os preços globais para baixo. A resiliência delas dependerá de sua capacidade de adaptação. A WEG, por exemplo, pode mitigar o impacto redirecionando a produção para suas fábricas nos EUA.
Os Estados Unidos, principal destino das exportações brasileiras do setor com 26,6% do total, já vinham reduzindo as compras do Brasil. No primeiro semestre, elas caíram 12,1%, puxadas pelo menor consumo de máquinas brasileiras para construção civil e agrícolas.
Diante desse cenário, a Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) projeta uma desaceleração na atividade. A avaliação da entidade é de que as vendas possam encolher 9%, devido à retração no mercado americano e queda nos investimentos no Brasil.
Celulose e papel: o desafio de encarar a tarifa de 50%
Com tarifas de 50% sobre a celulose, que adicionam mais de US$ 300 por tonelada ao preço, as exportações para os EUA são inviabilizadas, destaca Simioni. Isso força uma reconfiguração massiva das cadeias de suprimentos e a busca por novos mercados, principalmente na Ásia e Europa.
A Suzano, maior produtora global, é a mais exposta, com até 19% de sua receita vindo da América do Norte, enfrentando um desafio direto para sua receita e margem.
Têxtil e calçados: tarifas de Trump terão impacto direto nos negócios e no emprego no Brasil
Simioni, da Blue3 Investimentos, aponta que esses segmentos com alta exposição ao mercado americano, vão ser diretamente afetados por tarifas de até 50%. “A tarifa de 50% inviabiliza as vendas, forçando as empresas a redirecionarem sua produção para o mercado doméstico ou a buscarem novos mercados de exportação. Isso pode levar a uma queda acentuada na receita e nas margens de lucro.”
Alpargatas e Arezzo devem ser as empresas mais afetadas, o que levará a uma queda acentuada na receita e nas margens. O impacto também se estenderá ao emprego no Sul do Brasil, especialmente no Rio Grande do Sul.
Segundo Eduardo Cristian, CEO da consultoria Costurando Sucessão, não são só os impactos diretos que devem ser mensurados. Ele ressalta que a incerteza gerada pela taxação paralisa decisões de compra, atrasa planejamentos e afeta toda a cadeia produtiva, resultando em gargalos logísticos, aumento de custos operacionais e comprometimento da previsibilidade.
Os ganhadores (ou menos afetados): a lógica pragmática para menos tarifas
O decreto norte-americano trouxe algum alívio para alguns segmentos que conseguiram garantir isenções ou condições mais favoráveis, diminuindo o impacto anteriormente projetado.
Segundo Garbe, do Mackenzie, foi poupado da taxação aquilo que os Estados Unidos, pragmaticamente, ainda precisam importar do Brasil para manter sua própria engrenagem funcionando.
“A decisão não é ideológica, nem simbólica, ela segue a lógica do custo-benefício. Produtos em que o Brasil ocupa posição de destaque na cadeia de suprimentos global foram poupados. O recado é direto: ‘precisamos de vocês, por enquanto’”, diz.
Energia: Petrobras beneficiada com tarifas menores de Trump para petróleo e derivados do Brasil
A indústria de petróleo e derivados foi amplamente beneficiada no decreto tarifário americano. Segundo o Daycoval, quase todas as exportações ficaram isentas do adicional de 40% anunciado por Trump no dia 9, graças a várias exceções que excluíram petróleo, derivados, combustíveis e lubrificantes da lista.
A decisão neutraliza grande parte do impacto previsto para o setor, que possui participação relevante nas exportações brasileiras para os EUA. Segundo Simioni, a Petrobras é a principal empresa beneficiada com a situação. A manutenção do acesso irrestrito ao mercado americano garante uma importante fonte de receita e estabilidade, permitindo o planejamento de investimentos sem o risco de choques tarifários que impactariam suas margens.
O Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) também aponta que a medida é um reconhecimento da especificidade e importância estratégica do mercado petrolífero no comércio bilateral.
Aviação comercial: Embraer escapa de tarifa maior com movimento estratégico
Um dos principais exemplos de quem conseguiu escapar da sobretaxa combinada de 50% foi a indústria aeronáutica. A grande beneficiada foi a Embraer, a terceira maior fabricante de aviões comerciais do mundo, que encerrou o segundo trimestre com uma carteira de US$ 13,1 bilhões em pedidos, 31% a mais do que no primeiro trimestre e o maior valor em oito anos.
A Casa Branca oficializou a isenção de tarifas para componentes específicos da indústria aeronáutica brasileira, aliviando a pressão sobre a operação da companhia, que tem parte de sua produção nos EUA e depende da importação de peças-chave do Brasil.
O carro-chefe da empresa nos Estados Unidos é o E175, usado geralmente em rotas curtas e que tem capacidade para transportar entre 78 e 88 passageiros. Desde 2005, quando foi lançado, já foram feitos mil pedidos firmes do modelo. As quatro empresas com mais pedidos a serem entregues são americanas: American Airlines (90), SkyWest (74), Republic Airlines (35) e Horizon Air/Alaska Airlines (3).
Segundo Rodolfo Vignoli, especialista em renda variável da InvestSmart XP, a medida tomada pelos EUA alivia a pressão sobre a operação da companhia, que tem parte da sua produção nos EUA e depende da importação de peças-chave do Brasil. “A leitura foi clara: a isenção tirou da mesa o risco de um impacto direto nas margens e nos prazos de entrega”, diz.
Outro fato que contribuiu para o resultado, avalia Vignoli, foi a movimentação do CEO, Francisco Gomes Neto, nos bastidores, com reuniões em Washington e articulação política. “Foi uma estratégia que se provou eficiente. A empresa jogou o jogo certo, soube se posicionar como parceira estratégica dos EUA e colheu o resultado.”
Suco de laranja: tarifas moderadas de Trump mantém acesso do Brasil ao mercado americano
Apesar de a grande maioria dos alimentos ter sido afetada, o setor de suco de laranja ficou com tarifa mais moderada (10%). Isso coloca o Brasil em uma posição de relativa vantagem ou estabilidade. Grandes empresas como Cutrale e Citrosuco são beneficiárias diretas, pois a tarifa reduzida garante que o acesso ao mercado americano, um dos mais importantes, seja mantido, aponta Simioni.
O tarifaço inviabilizaria os negócios e geraria impactos tanto nos Estados Unidos como no Brasil. Segundo a Associação Nacional de Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR), os consumidores americanos, que teriam de pagar mais caro, pois não há alternativas de fornecimento suficientes para compensar a oferta brasileira.
No Brasil, os efeitos não ficariam restritos às empresas. Elas não teriam margem para absorver o impacto, já que as vendas para outros importantes mercados, como Europa, China e Japão, registraram quedas nos últimos meses. Os EUA representaram 41,7% dos negócios feitos no exterior na safra 2024/5.